Texto: Guilherme Goes
Fotos: Marcos Hermes
Após presentear seus seguidores fanáticos em Brasília e Minas Gerais com grandiosos shows em estádios, somada a uma apresentação surpresa e intimista no icônico Clube de Choro, um espaço cultural concebido pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer, Mr. Paul McCartney retornou à cidade de São Paulo na última quinta-feira (7), iniciando a primeira de três apresentações de sua nova turnê, “Got Back”, no Allianz Parque. De acordo com rumores, esta será a última excursão do ex-Beatles, que ostenta mais de seis décadas de atividade no mundo da música.
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Estádio lotado, trânsito caótico e encontro de gerações
Quem mais teria o poder de parar uma das regiões mais movimentadas de uma das cidades mais importantes do mundo senão uma verdadeira lenda da música? A partir das 16h, as vias da Barra Funda e outros bairros da zona oeste paulistana simplesmente travaram com o fluxo de carros seguindo em direção ao estádio do Palmeiras. O congestionamento foi tão intenso que até mesmo alguns profissionais de imprensa acabaram chegando atrasados para o credenciamento (um incidente vivenciado por este repórter que vos escreve).
Apesar de não ser um estranho para o público paulistano (Paul já esteve por aqui recentemente em 2014, 2017 e 2019), foi surpreendente observar a devoção dos “beatlemaníacos” locais, que reagiram como se o músico estivesse fazendo sua primeira visita à cidade. Ao longo da tarde, foi possível observar centenas de pessoas ostentando camisetas estampadas com fotos dos “garotos de Liverpool” ou o rosto do vocalista, demonstrando que a visita do senhor McCartney sempre será tratada com um evento relevante. Vale destacar também que os ingressos para as três datas em São Paulo, assim como para os shows em outras cidades brasileiras, foram completamente esgotados.
Ao adentrar o Allianz Parque, mais uma cena de fanatismo sem limites: todos os setores do estádio estavam completamente lotados, causando a sensação de que cada centímetro do local foi ocupado. Jovens, idosos, adolescentes e adultos de meia idade exibiam a mesma conexão. Famílias inteiras, desde avós até netos, estavam celebrando juntos, evidenciando que a música dos Beatles, Wings e McCartney vai além do tempo e atravessa gerações. Um cenário de beleza indescritível.
Sem banda de abertura, um DJ assumiu a responsabilidade de animar a plateia que ia chegando aos poucos com uma seleção de hits dos Beatles e outros sucessos, incluindo músicas de Rita Lee e Tim Maia. Às 20h30 pontualmente, as luzes do estádio diminuíram e uma animação começou a ser projetada. Era uma sequência de imagens do acervo pessoal de Paul McCartney, acompanhada por uma torre ascendente, que se estendeu ao longo de 30 minutos. Inicialmente interessante, a atividade acabou se prolongando e se tornando monótona, perdendo o encanto após algum tempo. Posteriormente, foi esclarecido que a projeção foi mantida para permitir a entrada dos fãs que ainda aguardavam na fila e garantir que todos pudessem aproveitar o início do show.
Com o encerramento da exibição de imagens, Paul McCartney e seus fiéis companheiros Rusty Anderson (guitarra), Brian Ray (baixo e guitarra), Abe Laboriel Jr. (bateria) e Paul ‘Wix’ Wickens (teclados) subiram no palco sob uma abertura simples, sem queda de cortinas, fogos ou jogos de luzes, e iniciaram o set com “Can’t Buy Me Love”, clássico de “A Hard Day’s Night”, levando as 45 mil pessoas que preenchiam o Allianz Parque a loucura coletiva. Em seguida, Rusty e Brian tiveram destaque no cenário, mandando as bases de guitarra de “Junior ‘s Farm”, revisitando pela primeira vez na noite a carreira do Wings.
Logo depois da abertura, o carismático Paul cumprimentou a plateia em português, arrancando risadas ao dizer “Boa noite, mano”, seguindo com “Letting Go”, mais uma música do Wings, que conta com um ritmo mais voltado para o jazz, destacando-se pelos trompetes e guitarras arrastadas. Nesse momento, houve uma dinâmica inteligente na performance, com os músicos de apoio da Hot City Horns preenchendo a faixa com seus metais diretamente de uma das arquibancadas laterais do Allianz Parque. Retornando ao repertório dos Beatles, “She’s a Woman”, uma canção enraizada no ritmo dançante do rock ‘n’ roll dos anos 50, fez a pista ganhar vida, substituindo muito bem o clássico “All My Loving”. Já “Got to Get You Into My Life” trouxe os primeiros efeitos especiais, com a reprodução de uma animação em estilo cartoon de Paul, John, George e Ringo servindo como decoração. Aqui, foi possível notar também que Macca já encontra certas dificuldades para alcançar notas altas, soando um pouco cansado em determinados pontos.
Não deixando de lado sua carreira solo, o músico apresentou “Come On to Me”, uma faixa do álbum “Egypt Station”, que exibe um riff cativante e belos arranjos de teclado. Assim como as composições do Wings e dos Beatles, a música foi calorosamente recebida, com a multidão acompanhando com palmas entusiasmadas. Em seguida, Paul assumiu o comando na guitarra em um bloco composto por “Let Me Roll It”, “Getting Better” e “Let In Me”, demonstrando que ainda domina muito bem o instrumento, transitando entre riffs simples e solos extensos e complexos. Para encerrar esta sessão, surgiu “My Valentine”, que foi dedicada a Nancy Shevell, esposa de Paul, que, segundo o frontman, estava presente no meio da galera.
Em seguida, Mr. McCartney revisitou os primórdios da carreira do quarteto de Liverpool com nada menos que “In Spite of All the Danger”, a primeira idealizada pelo grupo quando ainda atendiam pelo nome de The Quarrymen. Esse momento foi marcado por uma imensa interação com o público, com Paul envolvendo a plateia ao “jogar” o refrão para que fosse cantado em uníssono. O público segurou cada palavra da canção. Após a raridade, ele anunciou: “Agora, vou tocar a primeira música que o Beatles gravou oficialmente”, introduzindo assim “Love Me Do”, mais uma vez incendiando a multidão. Esse foi um momento que talvez tenha passado despercebido por aqueles que só acompanham os grandes sucessos, mas que deixou os verdadeiros fãs dos Beatles em um estado de quase transe.
O show seguiu com um mix de canções de diferentes fases da carreira de Macca, como “Dance Tonight”, um dos maiores sucessos de sua carreira solo; “Blackbird” e “Here Today”, onde Paul se apresentou sozinho, elevado em uma plataforma; “Jet”, um explosivo hit do Wings que agitou a plateia com seu refrão animado, além de mais algumas faixas dos Beatles, como “Lady Madonna” e “Being for the Benefit of Mr. Kite!”. Mas foi durante “Something” que Paul protagonizou um dos momentos mais comoventes da noite, ao pegar um ukulele entregue pelo amigo George Harrison, levando literalmente centenas de pessoas às lágrimas.
Para encerrar o set regular, foi preparada uma sequência com canções que literalmente moldaram a música contemporânea, começando com “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, seguida por “Get Back”, “Let It Be”, “Live and Let Die” e o eterno clássico “Hey Jude” – nesta última, os 45 mil fãs que lotavam o estádio entoaram em uníssono o tradicional refrão “Na-Na-Na”, criando um momento de comunhão singular. Este bloco foi marcado por efeitos especiais levados ao extremo, indo desde o uso de fogos de artifício, cenas do documentário “The Beatles: Get Back”, lançado em 2021 a projeções em 3D que retratavam fotografias em alta definição de constelações e o festival das velas do Japão, tornando a experiência ainda mais memorável.
Paul e sua banda deram um breve adeus ao palco. Porém, diante dos clamores incessantes do público, os músicos retornaram para mais algumas músicas. Começaram com “I’ve Got a Feeling”, que incluiu um dueto virtual com a voz de John Lennon do show dos Beatles no telhado da Apple Records, seguida por “Sgt. Pepper ‘s Lonely Hearts Club Band (Reprise)” e “Helter Skelter”, música descrita por Ozzy Osbourne como uma das grandes responsáveis pelo surgimento do heavy metal. Foi um momento de explosão de energia que reverberou por todo o Allianz Parque. Depois de mais de duas horas e meia de apresentações, McCartney brincou ao dizer que “era hora de voltar para casa e descansar”, encerrando a noite épica com uma sequência marcante composta por “Golden Slumbers”, “Carry That Weight” e “The End”, todas presentes no icônico disco “Abbey Road”.
Infelizmente, a ausência de músicas importantes como “Yesterday”, “Back in the USSR” e “Help!” deixou uma lacuna no repertório, o que decepcionou alguns fãs. No entanto, o que realmente se destacou na primeira data de “Got Back” em São Paulo foi a impressionante performance do senhor McCartney, que aos 81 anos entregou um show de quase 3 horas com uma energia que desafia o tempo. Ele não apenas executou cada música com capricho singular, mas também se moveu pelo palco com energia, mostrou versatilidade ao alternar entre diferentes instrumentos e conseguiu manter o público completamente envolvido. Seu talento incomparável reforça sua posição como uma verdadeira lenda da música. Não deixe de acompanhar as demais apresentações da turnê, pois a experiência é simplesmente única!
Setlist
Can’t Buy Me Love (Beatles)
Junior’s Farm (Wings)
Letting Go (Wings)
She’s a Woman (Beatles)
Got to Get You Into My Life (Beatles)
Come On to Me
Let Me Roll It (Wings) – com trecho de “Foxy Lady”, da Jimi Hendrix Experience)
Getting Better (Beatles)
Let ‘Em In (Wings)
My Valentine
Nineteen Hundred and Eighty-Five (Wings)
Maybe I’m Amazed
I’ve Just Seen a Face (Beatles)
In Spite of All the Danger (The Quarrymen)
Love Me Do (Beatles)
Dance Tonight
Blackbird (Beatles)
Here Today
New
Lady Madonna (Beatles)
Jet (Wings)
Being for the Benefit of Mr. Kite! (Beatles)
Something (Beatles)
Ob-La-Di, Ob-La-Da (Beatles)
Band on the Run (Wings)
Get Back (Beatles)
Let It Be (Beatles)
Live and Let Die (Wings)
Hey Jude (Beatles)
Bis:
I’ve Got a Feeling (Beatles)
Birthday (Beatles)
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise) (Beatles)
Helter Skelter (Beatles)
Golden Slumbers (Beatles)
Carry That Weight (Beatles)
The End (Beatles)