Lendas do gótico: Christian Death e The Mission encantam público paulistano no Carioca Club em noite histórica

Texto: Guilherme Goes
Fotos: Anderson Hildebrando – @andersonh_fotografia

The Mission (Inglaterra) e Christian Death (EUA) são dois grupos fundamentais para o desenvolvimento e a consolidação do cenário gótico e pós-punk mundial. A banda britânica, formada em 1986, destacou-se por sua sonoridade atmosférica e melódica, mesclando rock alternativo, darkwave e gothic rock, criando uma sonoridade mais acessível dentro da cena considerada relativamente “extrema” para o grande público. Essa combinação rendeu grande popularidade na cena underground e influenciou gerações de bandas posteriores. Já o Christian Death, fundado em 1979, é amplamente reconhecido como pioneiro do death rock, um subgênero mais sombrio e agressivo do gótico. Com uma estética provocativa e uma abordagem niilista à religião e à sociedade, o grupo moldou tanto a identidade visual quanto sonora da cena gótica nos Estados Unidos, sendo uma influência crucial para o lado mais experimental e perturbador do movimento.

 

No  domingo (13), o Carioca Club, tradicional casa de espetáculos na zona oeste de São Paulo, conhecida principalmente por receber shows de pagode e samba, mas também por abrir suas portas ocasionalmente para eventos de heavy metal e rock, transformou-se em um autêntico “salão gótico”. A ocasião especial reuniu as duas bandas icônicas em uma noite memorável, organizada pela produtora Dark Dimension.

 

Para animar o público — por sinal, bastante empolgado, com centenas de pessoas exibindo enfeites com maquiagens, trajes góticos e fantasias cuidadosamente elaboradas — a produção acertou ao escalar uma discotecagem de alta qualidade, perfeitamente alinhada com as atrações principais. A pista foi embalada por clássicos do pós-punk, como The Cure, Echo & the Bunnymen e Joy Division, entre outros, criando o clima ideal para o evento.

 

Pontualmente, os integrantes do Christian Death subiram ao palco ao som de uma introdução pré-gravada e sinistra, evocando a atmosfera de um filme de terror. O capricho na decoração do palco era evidente, com flores, redes e o logo da banda projetado em um telão de LED. O show começou com a sombria “Elegant Sleeping”, cantada quase inteiramente pela baixista e vocalista Maitri. Após a introdução, o frontman Valor Kand saudou o público com um simpático “Olá, gente bonita”, antes de seguirem com “New Messiah”, onde ele assumiu os vocais principais, enquanto Maitri contribuiu com guturais. Em “We Have Become”, faixa com bases eletrônicas que criaram um clima extremamente ameaçador, Kand voltou a liderar os vocais, e Maitri retornou aos holofotes em “Forgiven”, para encerrar com sua presença marcante.

“The Warning” destacou-se pelos riffs mais pesados e metálicos, combinados com batidas agitadas, evidenciando a vasta gama de influências da banda. “Rise and Shine” chamou atenção pelas passagens complexas de bateria, com viradas intensas e amplo uso dos pratos. Já “Abraxas We Are” proporcionou um dos momentos mais marcantes do set, com um poderoso dueto vocal entre Valor Kand e Maitri. Em sequência, a faixa “Beautiful” exibiu mais uma vez a versatilidade musical do grupo, introduzida por uma intro pré-gravada que incorporou trechos de violino clássico.

 

Em um breve diálogo com o público, Kand perguntou se a galera na pista gostaria de ouvir algo mais antigo, preparando o terreno para o maior hit da banda, “Romeo’s Distress”, que provocou a maior euforia da noite. Perto do fim do repertório, o grupo exibiu com força total uma de suas características mais impactantes: a crítica contundente às religiões. Antes de “Cavity – First Communion”, uma gravação foi reproduzida, trazendo trechos de uma reportagem sobre o encobrimento de casos de abuso sexual dentro da liderança da religião Testemunhas de Jeová na Austrália. Seguindo essa linha, “Church of No Return” e “This Is Heresy” também lançaram duras críticas ao cristianismo. Sem dúvidas, o Christian Death entregou um espetáculo visualmente impressionante e tecnicamente impecável, sem medo de ser ousado e provocativo.

 

Após o término do show do Christian Death, o público foi novamente mantido animado pela excelente discotecagem. Desta vez, além de faixas de bandas clássicas, o DJ incluiu nomes mais recentes, como o trio bielorrusso Molchat Doma. Em seguida, de forma igualmente pontual, os integrantes do The Mission subiram ao palco. Apesar de serem a atração principal, o cenário era mais simples, com o logo da banda exibido no telão de LED. Sem demora, abriram com uma sequência eletrizante: “Wasteland”, “Beyond the Pale” e o sucesso “Serpent’s Kiss”, com riffs contagiantes que praticamente convidavam o público a dançar e cantar a plenos pulmões.

 

Depois da explosão inicial de energia, Wayne Hussey arriscou algumas palavras em português para cumprimentar o público. O show então seguiu para um momento mais introspectivo com “Swoon”, cuja batida simples e o vocal quase a capella apresentavam uma sonoridade tão pop que poderia ter saído de um álbum do U2. Na sequência, “Garden of Delight” trouxe um tom mais sombrio e introspectivo. Em seguida, retornando a uma sonoridade mais leve, Wayne perguntou se o público gostaria de ouvir uma música nova, e a banda tocou “Kindness is a Weapon”, uma faixa grandiosa com um riff quase pop.

 

Voltando aos clássicos, “Like a Child Again”, “Afterglow”, “Stay With Me” e “Deliverance” fizeram o público cantar tão alto que chegava a cobrir a voz de Wayne. Após uma breve pausa, a banda retornou para mais uma série de hits, incluindo “Severina”, levando os fãs a abrirem pequenos espaços para dançar em meio à pista lotada. Curiosamente, a banda decidiu fazer um segundo bis, que incluiu “Wake (RSV)”, “The Crystal Ocean” e a icônica “Tower of Strength”, esta última dedicada por Wayne à sua esposa.

 
Enquanto o Christian Death trouxe um espetáculo sombrio, agressivo e visualmente impactante, o The Mission ofereceu uma atmosfera mais acessível — desde a decoração simples até a suavidade e beleza de suas canções. Ainda assim, os dois sets se complementaram perfeitamente, proporcionando uma noite inesquecível para os góticos paulistanos.

Setlist – The Mission

Wasteland

Beyond the Pale

Serpent’s Kiss

Swoon

Garden of Delight

Kindness is a Weapon

Can’t See the Ocean for the Rain

Like a Child Again

Afterglow

Kingdom Come

Stay With Me

Deliverance

Bis:

Butterfly on a Wheel

Severina

Swan Song

Bis 2:

Wake (RSV)

The Crystal Ocean

Tower of Strength

 

Setlist – Christian Death

Elegant Sleeping

New Messiah

We Have Become

Forgiven

The Warning

Rise and Shine

Abraxas We Are

Beautiful

Blood Moon

Romeo’s Distress

Face

As Evening Falls

Cavity – First Communion

Church of No Return

This Is Heresy