Texto e Fotos: Paula Cavalcanti – @eyefodin.photo
A noite da sexta feira, 11 de outubro , um dia antes da data marcada para o retorno, após 7 anos, da banda norueguesa Wardruna a São Paulo , foi marcada por uma forte tempestade de chuva e vento que não se via desde 1995. O sábado então , amanheceu emoldurado pelo caos – vários bairros sem energia elétrica , árvores caídas e semáforos quebrados . O próprio local onde ocorreria a apresentação, o Terra SP , na zona sul , sofria os impactos e funcionava com o auxílio de geradores .
Na fila que se formava do lado de fora , fãs tinham rostos pintados com desenhos de runas ( letras características que eram usadas para escrever nas línguas germânicas na Europa do Norte e sobretudo na Escandinávia e também são usadas como oráculo há mais de dois mil anos ) , trajavam-se como vikings usando peles e até era possível avistar alguns vestidos de lobos – era como se personagens do seriado Vikings estivessem ali reunidos , alheios a tudo que havia acontecido na cidade e prontos para embarcar em uma viagem às terras onde os deuses nórdicos habitam. Eu também não fiquei de fora e estava lá com a minha camiseta com estampa de Odin ( Deus nórdico supremo e portador dos conhecimentos ) e com o meu Futhark ( alfabeto rúnico ) tatuado no braço .
A banda :
Wardruna é um grupo musical norueguês que foi formado em 2003 por Einar Selvik ( vocalista , instrumentista e compositor ) junto com Gaahl ( ex membro ) e Lindy-Fay Hella ( vocal e flauta ). Arne Sandvoll ( backing vocals e percussão ) , HC Dalgaard ( backing vocals, percussão e bateria ), Elif Gundersen ( horns e flauta ) e John Stenersenb(moraharpa ) completam o time de músicos .
Eles se dedicam a criar interpretações musicais das tradições culturais e esotéricas nórdicas, e fazem uso de instrumentos históricos e tradicionais nórdicos, incluindo tambores de quadro de pele de veado, flautas, kraviklyra, tagelharpe, harpa de boca, chifre de cabra e lur. Instrumentos convencionais e outros recursos como árvores , água , pedras , tochas , além de sons da natureza também participam das composições.
O grupo se tornou mundialmente conhecido por fazer parte da trilha sonora do aclamado seriado Vikings da Netflix que acendeu um holofote sob a cultura nórdica e arrebatou uma legião de fãs que desfila antigos amuletos nórdicos, como o Mjölnir ( martelo de Thor , Deus do trovão na mitologia escandinava ) em pleno século 21 e mergulhou de cabeça neste universo de lendas , mitos e cultura de riqueza incomparável .
Einar Selvik , é fundador da By Norse , uma plataforma que apoia a cultura , a arte , a música e os filmes nórdicos , também tendo atuado em episódios do seriado que fez sua banda despontar no cenário.
Apresentação :
Olhando para os rostos daqueles que estavam colados na grade , eu reconhecia meus amigos de tantos eventos medievais e as garotas da banda brasileira Yön Nordic formada em 2022 , que pesquisam e cantam músicas da tradição nordica e escandinava e aqui abro um parênteses para recomendar que conheçam o trabalho delas e toda aquela atmosfera me fazia sentir tão confortável e acolhida como se eu estivesse em casa com a minha família.
Pontualmente às 20:30 as luzes se apagaram e a viagem à terras distantes começou. Tradicionalmente, os shows da banda são a meia luz criando assim um clima misterioso e envolvente além de ser bastante conveniente para a projeção de belíssimas sombras ao fundo e era como se de fato estivéssemos em outra época ou quem sabe uma realidade paralela. O som de corvos grasnando anunciou “ Kvitravn “ para um público em êxtase. A voz de Einar então ecoou poderosa e singular e fez o público delirar. “Skugge “ trouxe todas as vozes do Wardruna para uma execução emocionante que foi acompanhada em coro pelo público , que sim , cantava em norueguês .
Na sequência veio a belíssima “ Solringen “, uma das canções favoritas desta que vos escreve , Solringen é como caminhar em uma floresta e contemplar ao redor. Durante a execução desta faixa , em algum momento enquanto clicava Lindy pude ouvir uma voz doce bem próxima ao meu ouvido , quase uma backing vocal da banda que não estava no palco e meu cérebro imediatamente identificou que era a voz da Carol Encanto da Yön Nordic ,eu nem precisava olhar para trás para ter certeza e muito menos para saber o quanto ela estava emocionada e assim me despedi do photo pit ( espaço reservado para os fotógrafos ) com olhos marejados para continuar acompanhando a apresentação da pista.
As luzes do palco ficaram vermelhas para trazer a faixa “ Heimta Thurs “ que foi bruscamente interrompida por um problema técnico . O público aproveitou a chance para ovacionar e apoiar a banda gritando : “Wardruna! Wardruna! Wardruna!“ e após essa curta pausa o show prosseguiu sem maiores problemas. “Hertan “ foi recebida com aplausos e olhares contemplativos e então foi a vez de se sentir frente ao mar embarcando em um barco viking com a sensacional “Kvit Hjort “ com um Elif iluminado no centro do palco. Seguimos navegando com “ Lyfjaberg “ e “ Voluspá “ que fazem qualquer um fechar os olhos e simplesmente se deixar levar.
Do terceiro álbum, intitulado Runaljod – Ragnarok de 2016 vieram “ Tyr “ e “ Isa “ambas faixas carregam o nome de uma runa do alfabeto nórdico e foram“ ambas faixas carregam o nome de uma runa do alfabeto nórdico e foram impecavelmente executadas. A delicadeza e a harmonia entre vozes e instrumentos é notável. “ Grá“ , “Runaljod “ e “ Rotlaust tre fell “ fizeram muita gente rodopiar pela pista, dançando alegremente enquanto no palco novas sombras, cores e luzes surgiam.
“Fehu “, a minha favorita absoluta , que leva o nome de uma runa , do álbum Runaljod – Yggdrasil de 2013 , me levou ao dia em que fui fazer minha primeira tatuagem que curiosamente também foi o dia em que conheci a banda , graças a tatuadora que resolveu me tranquilizar colocando Wardruna para tocar e desde então essa música se tornou muito especial pra mim.
Finalmente, Einar usou sua majestosa voz para conversar com o público para introduzir a faixa “ Helvegen “ conhecida do seriado Vikings .Einar falou sobre o costume do seu povo de cantar , sobre a morte e a importância do “ deixar ir “ , temas que estão na letra de “ Helvegen “ que significa : A caminho do infinito. Todos pareciam estar com o celular a postos para registrar esse momento e aqui aproveito para registrar que avistei pouquíssimos celulares durante o show, as pessoas ali presentes pareciam estar totalmente comprometidas a apenas viver aqueles momentos e não registrá-los , o que muito me alegrou. Einar voltou a conversar com o público para o que seria uma despedida , dizendo que todos o fizeram se sentir muito bem vindo e que pretende não demorar tanto para retornar .
A banda então deixou o palco , mas ninguém , muito menos eu e talvez nem a própria banda queria que aquela viagem chegasse ao fim. E falando em viagem , não poderia ser mais oportuno que a banda retornasse ao palco para executar “ Raido “ canção batizada com o nome da runa do viajante e das viagens de acordo com oráculo nórdico. “Snake Pit Poetry “ no entanto contou a todos em tom poético que aquela etapa da jornada havia chegado ao fim.
Eu e muitos outros ainda continuaram ali , olhando para o palco como se algo dentro de nós custasse a aceitar que aqueles momentos vividos já eram parte do passado. Os roadies da banda começaram a desmontar tudo e a jogar bolinhas de papel ( o que depois viria a saber que era o setlist ) para os que ainda relutavam a sair , o fim de fato teve que ser aceito quando finalmente o gerador parou , a escuridão tomou conta e tivemos que partir sob a luz das lanternas do celular.
Por fim, posso dizer que os noruegueses do Wardruna passaram por aqui não apenas para mais um concerto mas sim como uma experiência a ser vivida com a alma e o coração que jamais abandonará as lembranças dos que lá estiveram . Tusen Takk , Wardruna!
Set List :
1 -Kvitravn
2 – Skugge
3-Solringen
4-Heimta Thurs
5-Hertan
6-Kvit hjort
7- Lyfjaberg
8-Voluspá
9-Tyr
10- Isa
11-Grá
12-Runaljod
13-Rotlaust tre fell
14 – Fehu
15 – Helvegen
Encore :
Raido
Snake Pit Poetry
(Einar Selvik cover)