Texto: Guilherme Gões
Foto: André Santos
Realização: Honorsounds
Assessoria: Hoffman & O’Brian
Imprensa: Acesso Music
Parceria: Till Dawn They Count Brazil
Quando uma banda muda drasticamente de estilo e lança um material destacando novas influências, o trabalho geralmente se torna alvo de críticas por parte dos fãs “hardcore” e da mídia especializada. Porém, a banda suiça Samael conseguiu “ir contra as estatísticas” quando lançou “Passage“, em 1996.
Formada em 1987, na cidade de Sion, o grupo suiço apresentou sonoridade e composições ligadas ao Black Metal tradicional em seus primeiros anos de atividade. Nos álbuns Worship Him (1991) e Ceremony of Opposites (1994), dois dos principais trabalhos do fenômeno conhecido como “segunda onda do Black Metal”, o quarteto utilizou de forma exaustiva riffs power chords, breakdowns e blast beats. Além disso, boa parte das letras desses discos são sobre satanismo, magia negra e ocultismo.
No entanto, em “Passage“, a banda optou por uso intensivo de teclados, riffs compactos e até elementos de música clássica, afastando-se do Black Metal e seguindo em direção ao Industrial/Doom Metal. Igualmente, neste trabalho, a banda abandonou as letras satânicas e começou a abordar fenômenos da natureza e cosmologia. O disco foi bem aceito entre os fãs antigos, e ainda ajudou a banda conquistar espaço dentro da cena Heavy metal mainstream, já que o videoclipe do single “Jupiterian Vibe” passou a ser exibido em diversos programas voltados ao público headbanger.
No último domingo (11), a banda veio à cidade de São Paulo celebrar os 25 anos do icônico lançamento. O evento aconteceu na Audio Club, e contou com a participação da banda Carniçal (Comedy Black Metal de Nova Odessa) e Hypocrisy – gigantes do Death Metal sueco.
A casa abriu às 17h30, com 30 minutos de atraso em relação ao horário oficial. Porém, isso não causou contratempos, já que o público inicial era pequeno. Sem aglomerações ou filas, foi possível curtir a discotecagem, conferir a banca de merch e tirar uma foto no banner com a arte oficial da turnê.
Perto das 18h, Marcello Pompeu, vocalista da banda Korzus, apareceu no palco da Audio para apresentar a gig da Honoursounds e introduzir a primeira banda da noite. “Vamos tocar um show do abismo, então é bom tomar cuidado para não entrar em depressão”, com esse discurso horripilante, o guitarrista Matheus “Sototos” anunciou a apresentação da banda Carniçal.
Enquanto os demais colegas arrumavam os instrumentos, o rapaz acendeu um cigarro e aproveitou para comentar: “Porr*, até que fim um lugar nessa casa em que posso fumar sem ninguém encher o saco”. No entanto, a atitude do jovem foi repreendida pelos seguranças da casa, e ele precisou postergar o fumo. Depois da introdução desastrada, o grupo começou o set com “Umbral“.
O Carniçal surgiu em 2020, em Nova Odessa, cidade do interior do estado de São Paulo. A banda ganhou destaque nas redes sociais (principalmente na plataforma TikTok™) após lançar alguns vídeos satirizando algumas características da cultura Heavy Metal, e conseguiu captar seguidores que sequer possuem familiaridade com o movimento. Atualmente, a “horda” possui mais de 40 mil seguidores no TikTok™, e alguns dos vídeos da molecada postados no portal já ultrapassam a marca de 100 mil visualizações.
Apesar da fama de “comedy band“, o trio exibiu um show sério, com diversos elementos do Black Metal, entre eles: uso de corpse paints, crânio de boi e velas decorando o cenário e baixa iluminação com flashes vermelhos, que causaram um certo clima aterrorizante no palco. Já o repertório destacou as faixas de “Inquisição Espiritual”, único registro oficial da banda até o momento, como “Hecatombe” e “Mente Putrefata”. Quem esperava assistir um “show de palhaçadas”, acabou sendo surpreendido. Apesar da postura descontraída de Matheus no início do set, Carniçal mostrou que, apesar das “zueiragens” nas redes sociais, a banda faz questão de levar o trabalho a sério quando se apresenta ao vivo.
Setlist
Umbral;
Mortificado;
Silêncio da noite;
Hecatombe;
Mente Putrefata.
Depois de uma breve pausa para alteração no cenário, Pompeu surgiu novamente no palco, desta vez para chamar os suecos da Hypocrisy. O set começou com um solo de violão acústico ecoando pelos alto-falantes da casa, seguido por Peter Tägtgren e companhia estimulando gritos eufóricos da plateia. “Worship‘, faixa que leva o nome do novo disco do grupo, lançado em novembro de 2021, abriu a apresentação, e foi seguida por “Fire in the Sky” e “Mind Corruption”, dos álbuns “The Fourth Dimension” e “Hypocrisy“, ambos lançados na década de 90.
Neste primeiro bloco, os suecos acertaram em cheio ao exibir três sonoridades distintas que exploraram ao longo da carreira: Brutal Death Metal, Death Metal Melódico e Technical Death Metal.
Ao término das faixas, o vocalista Peter cumprimentou os fãs e pediu desculpas pelo atraso que atrapalhou a vinda da turnê “Worship” ao Brasil. Depois de conquistar a galera com sua simpatia nórdica, o frontman iniciou “Eraser“, um dos singles mais bem sucedidos da carreira do Hypocrisy.
O riff marcante da faixa levou o público a loucura, e a plateia acompanhou a banda com um coro ensurdecedor. Novamente, canções de períodos distintos foram apresentadas, entre elas: “Inferior Devoties”, “Until the End”, Don’t Judge me” e a marcante “Chemical Whore”, cuja letra faz críticas a indústria farmacêutica e estratégias utilizadas por grandes marcas para manter o público consumidor dependente de seus produtos.
Sem desanimar, os suecos continuaram a segunda parte do show com total empolgação. O vocalista Peter protagonizou grandes momentos de conexão com o público, aproximando-se das grades de proteção para balançar a cabeça em “End of Disclosure”, “Weed Out The Weak”, “Children of the Gray”, “Warpath” e “Final Chapter” – principalmente nos solos e outras partes das faixas onde a base instrumental se sobressaía. No entanto, quem realmente fez um espetáculo de interação com a galera foi o baixista Mikael Hedlund, que correu pelo palco de forma incansável, fez caretas engraçadas e ainda brincou com o público do camarote pedindo para que eles se mantivessem empolgados da mesma forma que a galera da pista.
Após uma breve pausa, Henrik Axelsson retornou sozinho ao palco e mandou um solo de bateria. Logo em seguida, veio “Fractured Millenium” e “Impotent God”, com Peter acenando com horns no refrão: “Screaming through the soul/You’re thinking like a god/Satan not surprised”. Ao término da canção, a banda optou por mais uma pausa. Quando retornou ao cenário, Peter agradeceu o apoio dos fãs e mencionou: “Let ‘s forget bullshit around the world at least for tonight (algo como: “Vamos esquecer as brigas ao redor do mundo pelo menos por esta noite”). Após mais de uma hora de muito bate-cabeça, “Adjusting The Sun” e “Roswell 47” fecharam o set.
Setlist
Worship;
Fire In The Sky;
Mind Corruption;
Eraser;
Inferior Devoties;
Chemical Whore;
Until The End;
Don’t Judge Me;
End of Disclosure;
Weed Out The Weak;
Children Of The Gray;
Warpath;
Final Chapter.
Bis
Fractured Millenium;
Impotent God.
Bis 2
Adjusting The Sun;
Roswell 47.
Curiosamente, o público começou a deixar o espaço logo após o encerramento do show do Hipocrisy. Quando Michael “Vorph”, Alexandre “Xytras”, Thomas “Drop” e Ales Campanelli entraram no palco, algo em torno de um terço dos fãs já havia saído da Audio Club. Como esperado, a apresentação seguiu com o disco “Passage” na íntegra, começando com “Rain“, faixa que se inicia com riffs pesados, passa por uma ponte em que Vorph praticamente sussurra a letra da música e ainda destaca fortes guturais no refrão.
A composição da faixa que introduz o disco é o exemplo máximo da mudança radical que a banda decidiu explorar no material de 1996: a letra homenageia a influência da chuva nas colheitas e sua importância para manutenção da existência humana (Our seeds sown larger/Our roots will go deeper/Our trees will grow higher and now we wait the rain).
Ainda na mesma linha, “Shining Kingdom”, foi responsável por manter a animação da platéia. O riff inicial traz um balanço interessante, que até lembra um pouco “Refuse/Resist”, do Sepultura. Além disso, vocais guturais tomam conta dos 4 minutos da faixa, tornando-a uma das mais brutais de todo o álbum. Na sequência, Vorph arriscou algumas palavras em português para introduzir a emblemática “Angel’s Decay”, que reúne vocais estridentes com belíssimos efeitos de órgão elétrico. Para “retomar” o peso, vieram “My Saviour” e o single “Jupiterian Vibe”, duas canções que destacam bases eletrônicas e backing vocals em estilo ópera, mas que também contam com riffs extremamente agressivos. Além de executar as músicas, o frontman também mostrou uma performance corporal com movimentos ritmados, que, surpreendentemente, acabava combinando com o andamento das músicas.
O set especial também forneceu aos fãs mais aficionados do grupo suiço a oportunidade de conferir faixas b-sides do “Passage” que raramente são executadas ao vivo, como “The One Who Came Before”, “Chosen Race” e a encantadora “Moonskin“, cujo teclados no background transmitiram um certo sentimento de desolação e desespero pelo clube. De acordo com o repertório do disco, “A Man in Your Head” finalizou a primeira parte do show.
Após um breve intervalo, a banda retornou para um bis, que contou com faixas do período “True Black Metal“, como “Son of Earth” e “Until The Chaos”, além de “Reign of Light” e “Infra Galaxia”, da fase Industrial Metal. Próximo ao encerramento, Vorph pediu para que os fãs erguessem horns. Após a plateia atender o pedido do vocalista, veio “Baphomet’s Throne”, clássico supremo da “segunda onda do Black Metal”. Para agradar os seguidores old school, os suíços revisaram os álbuns “Worship Him” e “Solar Soul” e fecharam a noite com “Into the Pentagram” e “Slavocracy”.
Samael fez um show bonito, com fortes elementos estéticos, setlist variado abrangendo diferentes “faces” do Metal e coreografias desafiadoras. Já Hypocrisy entregou um espetáculo de simpatia, técnica e interação com o público. Dois shows que se completaram entre si, proporcionando a melhor experiência possível aos headbangers paulistanos.
Setlist
Rain;
Shining Kingdom;
Angel’s Decay;
My Saviour;
Jupiterian Vibe;
The Ones Who Came Before;
Liquid Soul Dimension;
Moonskin;
Born Under Saturn;
Chosen Race;
A Man in Your Head;
Bis
Samael;
Luxferre;
Son of Earth.
Bis 2
Until The Chaos;
Infra Galaxia;
Reign Of Light;
Baphomet’s Throne;
Into the Pentagram;
Slavocracy.