Deep Purple demonstra vigor máximo em aula de Rock e Heavy Metal em São Paulo

Apresentação, que antecedeu a ida da banda ao Rock in Rio 40 anos, combinou a comemoração de 50 anos

de “Machine Head” e a divulgação do mais recente trabalho, o álbum “=1”

A noite da Sexta-Feira 13 de 2024, em pleno mês de setembro, foi aparato de muita sorte para aqueles que presenciaram o Deep Purple no Espaço Unimed, em São Paulo, na que foi a abertura da 15ª passagem da banda pelo Brasil, antecedendo o show que o quinteto britânico fez na edição de 40 anos do Rock in Rio. O evento, sem apresentação de abertura, foi produzido pela Mercury Concerts.

 

Sob um setlist de 15 faixas de álbuns com Ian Gillan nos vocais e três momentos de solos – dois de teclado, um de guitarra -, o Deep Purple proporcionou mais uma aula de Hard Rock, Rock Progressivo e Heavy Metal e tirou o melhor de cada membro da banda, dando ao público mais um show inesquecível em mais uma passagem que marca a ótima relação da banda com os brasileiros – situação que começou há 33 anos, em 1991, na turnê “Slaves and Masters”.

 

Dos grandes momentos da noite, vale destacar os grandes solos de Don Airey e Simon McBride, tanto nas faixas autorais, quanto nos covers e, principalmente, em seus momentos como solistas sem a banda. McBride mostrou toda sua técnica com as cordas, enquanto Airey, em dois atos, não somente foi brilhante em vários tons e configurações de seu kit, como foi ovacionado ao homenagear o Brasil em seu segundo ato, com trechos de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Heitor Villa-Lobos e uma boa parte do Hino Nacional do Brasil.

 

Os demais membros, claro, foram excepcionais ao longo da apresentação: das linhas impactantes do baixo de Roger Glover às viradas de um vigoroso Ian Paice, além de um vocal poderoso e ainda ativo de Ian Gillan, superando qualquer barreira que a idade o impusesse.

 

Pré-show

As pistas do Espaço Unimed se mostraram bem ocupadas nos primeiros minutos de abertura, o que refletiu na previsão de uma casa lotada, algo que também era possível de se ver do lado de fora, com a Rua Tagipuru ocupada por fãs da fila, fãs que se encaminharam para tal área e até aqueles que, entre as ruas Tagipuru e a Praça Dr. Osmar de Oliveira. Dos presentes, havia pessoas de diversas faixas etárias, reunidas entre amigos ou família, em casais ou grupos. Dentre elas, alguns fãs mais eufóricos, seja pela ansiedade por conta do tempo de espera, seja pela bebida que consumiu fora e/ou dentro do local, com direito a muitos gritos em encontros com conhecidos. O importante é que todos aparentavam muita felicidade e expectativa naquela noite.

 

No palco, já era possível ver alguns instrumentos montados, como o kit de bateria de Ian Paice, que ficou no chão, sem uma tarima ou outro tipo de elevação para deixá-la muito alta. No entanto, os testes destes apetrechos só vieram às 21h30, já próximo do horário previsto para o show, com os primeiros testes de luzes, teclado e guitarra.

 

Os ânimos aumentaram perto das 21h46, já com o local cheio e perto do início da apresentação. Foi justamente neste horário que o telão do palco ligou e mostrou uma espécie de tubo, formado por “teias” brancas e que se moviam para frente. Ao meio, apareceu a logo da banda dentro do tema do último álbum, “=1”. O curioso é que o tubo mudou a cor para rosa e, nesse momento, uma super equação foi escrita com resultado igual a 1 (em alusão ao último lançamento) e, ao fim, aparecia a foto de um membro da banda.

 

O atraso de dez minutos além da data prevista não mudou o clima positivo de um público que, no horário previsto, gritou “Purple” repetidas vezes. O apagar das luzes das 22h10, então, marcou o início da grandiosa apresentação, ao som de “ Mars, the Bringer of War”, composição da suíte “Planets”, de Gustav Holst (1874 – 1934), e a formação de uma das logos do Deep Purple em vários ângulos de movimento. Ian Paice (bateria) foi o primeiro a entrar, seguido de Simon McBride (guitarra), Don Airey (teclados), Roger Glover (baixo) e, por fim e nas primeiras batidas de “Highway Star”, o icônico Ian Gillan (vocal), que entrou pelo meio do palco, por trás de Paice e Airey..

 

“Highway Star”, inclusive, foi a primeira das cinco faixas do aclamado álbum “Machine Head” (1972), no setlist da noite, a ser tocada, assim como o primeiro grande sucesso da banda a ser apresentado logo de cara, acompanhado de um público totalmente eufórico e extasiado. Também era possível ver, de primeira, a forma impecável que cada membro tocou, do instrumental ao vocal – apesar de algumas notas em que Gillan chegou a tremer a mão que carregou o microfone para acertar o tom da melhor forma, algo perceptível ao longo do show.

 

A faixa “A Bit on the Side” deu sequência à apresentação e foi a primeira a representar o disco “=1” (2024). Gillan se soltou mais no palco e rotacionou de uma ponta a outra, saudando o público. Da mesma forma, Don Airey mostrou o melhor de suas habilidades em um ótimo solo de teclados e Ian Paice, numa demonstração de vigor em plenos 76 anos, fez ótimas viradas na bateria. Por fim, vale o destaque para uma das várias ótimas execuções de solo de guitarra por parte de Simon McBride.

 

A terceira música da noite, “Hard Lovin’ Man”, primeira do álbum “Deep Purple in Rock” (1970), veio carregada de uma iniciação poderosa de Roger Glover, seguida do acompanhamento do restante da banda. Tanto Don Airey, quanto Simon voltam a fazer solos espetaculares para melhorar ainda mais a clássica faixa, que teve como destaque visual o foco das câmeras aos movimentos de cada instrumentista. Em seguida, veio “Into the Fire”, que sacramentou uma dobradinha para o quarto álbum da banda e uma verdadeira aula de Hard Rock, encerrada com um poderoso e qualitativo grito de Ian Gillan, que gerou ovações e aplausos de todos os lados do Espaço Unimed.

 

Simon McBride, que assumiu a guitarra do Deep Purple em 2022 – após a saída de Steve Morse, optada pelo mesmo para apoiar a esposa, que luta contra um câncer -, teve um de seus grandes momentos da noite ao ter um momento dedicado especialmente a um solo de guitarra. Sob o anúncio de Gillan, McBride não fez feio e usou tanto de momentos mais calmos e lentos, quanto de momentos mais poderosos e rápidos, para demonstrar muito de suas técnicas com o instrumento de cordas. O maior destaque ficou para a reta final, quando Simon usou a técnica de tapping e ementou seu solo com a ambientação de Don Airey até a transição direta para a música seguinte.

 

E a faixa em questão foi “Uncommon Man”, única música que representou o disco “Now What?!” (2013), puxada por Airey e McBride e tocada com maestria com a banda, principalmente devido às linhas mais “tecno” durante um dos solos de Don, com seus teclados. A faixa foi dedicada por Gillan para Jon Lord, ex-tecladista da banda que faleceu em 2012, em um discurso que beirou à emoção do frontman da banda.

 

Na sequência, o quinteto tocou “Lazy Sod”, segunda faixa do mais recente disco do Deep Purple a ser tocada na noite. O telão mostrou imagens do videoclipe deste single enquanto a banda voltou a mostrar o melhor deles, incluindo mais solos do dueto guitarrista-tecladista.

 

Chegou, então, o momento em que Don Airey fez o primeiro solo dedicado de teclado da noite. A combinação de notas graves e agudas longas deu início ao seu momento de destaque e foi a emenda para um momento icônico: Don, enquanto tocava uma dessas notas longas, teve tempo de sair de seu posto para ser servido por um garçom, que o ofereceu uma taça de vinho. Ele bebeu, foi amplamente aplaudido e voltou para os teclados para a finalização, que foi uma emenda para iniciar “Lazy”, mais um clássico do disco “Machine Head”. McBride fez um ótimo solo logo no início da faixa e foi um dos principais na condução de um som mais Blues Rock de seu começo. Na parte instrumental completa, Gillan auxiliou na percussão, balançando um pandeiro meia lua, assim como Don voltou a solar com maestria. Por fim, o encerramento de “Lazy” se deu novamente em uma pegada Blues.

 

Gillan fez mais uma dedicatória antes de “When a Blind Man Cries”, também do “Machine Head” e que firmou outra dobradinha de um álbum na noite. A faixa, muito comemorada pelo público, veio carregada de ótimos cantos do vocalista do Purple, além dos ótimos solos de Simon MicBride e Don Airey, em sequência, e cujo final foi alvo de novas – e mais altas – ovações com outro grande tom longo de Gillan com sua voz. Algo impressionante e que mostrou mais do constante vigor do vocalista.

 

Gillan voltou a discursar, elogiando o público e pedindo, em tom de brincadeira, para que eles “calassem a boca” para poder falar com calma. As rápidas palavras foram pretexto para “Portable Door”, uma ótima faixa Hard Rock que deu um tom mais dançante ao palco e à pista, principalmente de Gillan. As interações entre Roger Glover e Simon McBride foram inéditas no show, assim como novos solos dos já destacados guitarrista e tecladista da banda foram executados.

 

Novos elogios por parte de Gillan ao público iniciaram outro discurso em nome da banda. As explicações para a faixa seguinte, “Anya” até que foram longas, mas nada de tirar o brilho do público. Esta foi a única do disco “The Battle Rages On…” (1993) na noite.

 

Don Airey teve seu segundo solo na noite, dedicado a “abrasileirar” o show da melhor forma possível após uma sequência de linhas em tom de órgão, combinadas com outras mais sintetizadas. A virada para o teclado clássico levou a uma sequência de trechos de composições brasileiras, como a Bossa Nova presente em “Chega de Saudade”, escrita e reproduzida por Tom Jobim e Vinicius de Moraes, mas popular principalmente na regravação de João Gilberto; a mistura clássica e orquestral de “Bachianas Brasileiras #2”, composição de Heitor Villa-Lobos; e a primeira parte do Hino Nacional Brasileiro, cantada pela esmagadora maioria do público, totalmente feliz com as homenagens do tecladista do Deep Purple. Este momento de Airey se encerrou com mais um trecho sintetizado, que muito lembrou algumas temáticas Sci-Fi e que logo emendou para a faixa seguinte.

 

“Bleeding Obvious” deu sequência ao show e teve em seu destaque a continuação da iluminação em verde e amarelo do palco, durante o início da música e antes de Ian Gillan começar sua parte cantada. Alguns momentos da faixa em questão tinham tons de Rock Progressivo e, principalmente, se destacou por ótimas viradas de bateria e guitarra, ditadas por Paice e McBride e acompanhadas por linhas singelas de Don Airey.

Outra dobradinha de clássicas do disco “Machine Head” veio na reta final do primeiro grande bloco do show. “Space Truckin’” foi a primeira delas, com um coro acompanhado de um riff poderoso de Roger Glover e Simon. Este coro foi maior nos refrões da faixa, com os gritos de “Come on” mais altos até do que os de Gillan e as caixas de som. Mas o grande momento da noite ficou reservado para a música seguinte…

 

Simon McBride recebeu as principais iluminações em branco e se direcionou ao centro do palco. Já no pedestal, o guitarrista do Deep Purple iniciou o mundialmente conhecido riff de “Smoke on the Water”. Justamente o que eu, [muito provavelmente] você e muitas outras pessoas mundo afora já executaram em um violão, guitarra ou propriamente nos sons da própria boca ao ouvir a faixa por mais de uma vez. Nem mesmo a onda de celulares, que voltou à tona após muito tempo de evento, atrapalhou um momento tão mágico quanto aquele: o vocal de Gillan, os coros espetacularmente sensacionais do público durante o refrão – principalmente ao cantar “Smoke on the Water” parte com o instrumental, parte quase que a cappella -, o solo sensacional de Simon McBride que parte reproduzia a música original, parte de improviso… e o clima ainda mais positivo que se instaurou com a faixa em questão. Tudo isso tornou a situação única para aquele show e para tantos fãs presentes. O fim da faixa e o momento de encore, com a saída momentânea dos membros da banda do palco, veio com muitos aplausos, uma nova logo da banda em chamas no telão e gritos em nome da banda. A volta, rápida, logo marcou um novo momento no setlist do Deep Purple.

 

A possível limitação por conta do horário, cada vez mais próximo da meia-noite, muito provavelmente fez com que o setlist encurtasse, uma vez que o quinteto usou de “Hush”, cover do cantor Country e Folk Joe South (1940 – 2012) – que também é presente em uma versão do Deep Purple no álbum de estreia da banda, “Shades of Deep Purple” (1968) -, para incrementar um pequeno trecho do cover de “Green Onions”, da banda de Soul, Jazz e R&B Booker T. & the MG’s. Um momento interessante do show, principalmente por mais um coro de destaque do público ao repetir os trechos de “Nanana”, do refrão da primeira faixa citada, quando necessário, assim como imagens do vulto de uma mulher dançando no telão, em meio a execução das duas músicas.

 

O gran finale da noite veio com a também clássica “Black Night”, faixa do álbum “Deep Purple in Rock” que deu as últimas nuances da combinação de Hard Rock e Heavy Metal tão marcada no som do Deep Purple em seus primórdios. O último solo em música de Don Airey foi tão impactante a ponto de fazer Gillan simular que estava batendo no tecladista. Da mesma forma, os solos de Simon McBride, com variações de distorção e muito feeling do músico, foram a última casquinha que o público pôde ver naquela noite. Público esse que também finalizou com bons coros a pedido de Gillan e banda, até o encerramento total do show.

 

A frase final de Ian Gillan, “You are Great”, junto aos gestos de fogo – indicando um show caloroso – e de mãos ao peito, foram uma síntese do quão espetacular foi o público da noite. Isso ajudou e potencializou a entrega que a banda fez neste show dias antes do Rock in Rio, numa verdadeira troca entre atração e espectadores. Algo que, com certeza, reforça o vigor da banda mesmo após 56 anos de existência (contando os oito anos de hiato) e esta que foi a 15ª passagem da banda pelo Brasil. Independentemente de qualquer situação, o Deep Purple se mostrou mais vivo do que nunca, disposto a ainda lecionar verdadeiras aulas de Rock, Rock Progressivo, Hard Rock e Heavy Metal para quantas multidões forem necessárias. E esta de São Paulo aprendeu (ou reaprendeu) da melhor maneira possível.

 

Setlist Deep Purple

Introdução: Mars, the Bringer of War (suíte de Gustav Holst)

1. Highway Star

2. A Bit on the Side

3. Hard Lovin’ Man

4. Into the Fire

5. Solo de Guitarra de Simon McBride

6. Uncommon Man

7. Lazy Sod

8. Primeiro solo de teclado de Don Airey

9. Lazy

10. When a Blind Man Cries

11. Portable Door

12. Anya

13. Segundo solo de teclado de Don Airey (trechos de “Chega de Saudade”, “Bachianas Brasileiras #2” e “Hino Nacional do Brasil”)

14. Bleeding Obvious

15. Space Truckin’

16. Smoke on the Water

Encore

17. Hush (cover de Joe South com um trecho de cover de “Green Onions”, de Booker T & the MG’s)

18. Black Night

Texto: Tiago Pereira
Fotos:  Ricardo Matsukawa / Mercury Concerts