Sepultura finalmente inicia a primeira sequência de shows da tour “Celebrando a vida através da morte” em São Paulo: confira resenha do primeiro show

No cenário do heavy metal, a posição do Sepultura como a banda mais representativa do estilo no Brasil é inquestionável. Formado em Belo Horizonte, em 1984, o grupo conquistou reconhecimento internacional em um gênero até então dominado por grupos europeus e norte-americanos. Esse feito não apenas abriu portas para outras bandas da América Latina, como também exerceu uma influência significativa em músicos ao redor do mundo. Com álbuns como Beneath the Remains (1989), Arise (1991), Chaos A.D. (1993) e Roots (1996), que são reconhecidos como verdadeiros clássicos da música pesada, o Sepultura trouxe uma evolução ao estilo ao incorporar novas influências, expandindo os limites do gênero.

 

Porém, apesar de sua vasta influência e de uma legião de fãs espalhados por todo o mundo — das regiões mais remotas do Brasil às modernas cidades da Europa e Estados Unidos e chegando ao Extremo Oriente —, o quarteto anunciou o encerramento de suas atividades no final de 2023. No entanto, esse momento não é marcado pela tristeza, já que a banda está realizando uma extensa turnê intitulada “Celebrating Life Through Death”, que deve se estender até o final de 2025. Em São Paulo, os fãs esgotaram os ingressos para três shows no Espaço Unimed, um local com capacidade para mais de 7.000 pessoas, em uma celebração do legado deste ícone do metal nacional. A primeira dessas apresentações foi acompanhada de perto por representantes do Heavy Metal On Line.

 
 O início de uma despedida

Para cada uma das datas em São Paulo, o Sepultura convidou bandas igualmente influentes para abrir os shows. No sábado, o trio Cultura Tres subiu aqueceu a pista, enquanto no domingo foi a vez do Black Pantera, e no primeiro dia, o Torture Squad.

 

Liderado por Mayara Puertas, o renomado grupo paulistano apresentou um som thrash/death metal intenso, com riffs e batidas velozes e agressivas, mas também com passagens de metal moderno. O set também contou com músicas acústicas e a entrada da mascote da banda no palco em momentos estratégicos, gerando certo aspecto teatral. A resposta dos fãs foi entusiasmada; o nome do Torture Squad foi repetidamente entoado entre os intervalos, mostrando que, naquela noite, o Sepultura não era a única atração de destaque.

 

Já com a casa completamente lotada e com alguns minutos de atraso em relação ao horário oficial, um anúncio protagonizado por Novato, criador de conteúdo do canal “Lado Direito do Palco” que tem acompanhado a turnê do Sepultura pelo Brasil, apareceu nos telões. Ele convidava o público a conhecer o merch exclusivo do evento, incluindo itens inéditos disponíveis apenas nos shows de São Paulo. Por volta das 21h15, começaram a ser exibidas filmagens com os integrantes da banda. Em seguida, “War Pigs” (Black Sabbath) e “Polícia” (Titãs) foram tocadas na íntegra. Embora a recepção inicial tenha sido de empolgação, a execução acabou se tornando um pouco monótona com o tempo.

 

Então, às 21h30, com 30 minutos de atraso em relação ao horário previamente anunciado, uma sonora com trechos de várias músicas do Sepultura começou a tocar nos alto-falantes. Logo depois, Derrick Green (vocal), Paulo Xisto (baixo), Andreas Kisser (guitarra) e Greyson Nekrutman (baterista convocado de última hora para turnê após Eloy Casagrande deixar a banda para assumir as baquetas no Slipknot) entraram no palco e iniciaram o show com uma sequência de três clássicos do álbum Chaos A.D.: “Refuse/Resist”, “Territory” e “Propaganda”. Como esperado, o destaque inicial foi Greyson, que executou as músicas com maestria, enfrentando com habilidade as viradas complexas e o uso extensivo de pedais duplos.

Após a entrada triunfal, composta por músicas que literalmente redefiniram a música extrema nos anos 90, a banda mergulhou em sua fase mais recente com “Phantom Self”, do álbum Machine Messiah (2017). Nessa faixa, Greyson impressionou com sua técnica impecável, especialmente nos stomps nos pratos China. A partir desse momento, os efeitos visuais ganharam destaque, com uma arte tridimensional de células em movimento que mesclava realismo com surrealismo. Ao final da música, Derrick, que até então havia se comunicado apenas em inglês, iniciou um diálogo com fãs em português, demonstrando fluência no idioma. Em seguida, o show entrou em um bloco dedicado ao álbum Roots, com as faixas “Dusted”, “Attitude” e “Spit”. As animações visuais também impressionaram nesse momento, apresentando artes relacionadas a cultura dos povos originários do Brasil, em perfeita sintonia com a temática do disco lançado em 1996.

 

Depois de revisitar o último trabalho que contou com Max Cavalera nos vocais, o grupo voltou à sua fase atual com “Kairos”, faixa do álbum homônimo lançado em 2011. Se até então os efeitos visuais já impressionavam, aqui a produção levou o público ao delírio, exibindo uma das artes mais impactantes da noite, com imagens representando a morte em conjunto com a caveira presente na capa do álbum. Nesse momento, a agressividade de Greyson na bateria foi tamanha que foi possível notar que ele quebrou duas baquetas durante a execução da música.

 

Em seguida, o baterista provou sua competência ao executar com perfeição as viradas de “Means To An End” (uma das criações mais complexas de Eloy Casagrande em sua passagem pelo Sepultura) e “Convicted In Life”, uma das faixas mais brutais do álbum Dante XXI. Para acalmar os ânimos, Andreas iniciou “Guardians of Earth” com passagens sombrias de violão em ritmo tradicional espanhol. Logo depois, veio uma explosão dos demais instrumentistas. Certamente, nesse momento, o conjunto mostrou uma fusão perfeita de peso e melodia. O bloco ainda contou com mais faixas emblemáticas que marcam a presença de Derrick no grupo, como “Mind War”, “False” e “Choke”.

Para encerrar com chave de ouro, Greyson mostrou que também dominava as icônicas batidas skank no ritmo frenético do thrash metal, popularizadas por Igor Cavalera e que ajudaram a consolidar o Sepultura como um dos maiores nomes do metal mundial. O bloco dedicado à fase “old school” começou com “Escape To The Void”, do álbum Schizophrenia. Em “Kaiowas”, músicos do Torture Squad e até alguns fãs foram convidados para participar nos tambores, enriquecendo o momento com uma atmosfera de celebração coletiva. A apresentação seguiu com clássicos como “Dead Embryonic Cells”, “Biotech Is Godzilla”, “Troops Of Doom”, “Inner Self” e “Arise”, além de um cover de “Orgasmatron” (Motörhead). Após uma breve pausa, a banda voltou ao palco para encerrar o show com “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots”, enquanto a bandeira do Brasil iluminava o telão de LED.

 

Apesar dos desafios com mudanças na formação, o Sepultura tem se esforçado para encerrar sua carreira com a devida honra. Greyson se destacou como um músico brilhante, capaz de executar com perfeição músicas de diferentes fases da banda, sem deixar nada a desejar em relação aos bateristas anteriores. A apresentação foi uma combinação impecável de carisma, a energia contagiante do público, música pesada tocada com profissionalismo e efeitos visuais deslumbrantes. Sem dúvida, o maior nome do metal brasileiro está celebrando seus últimos dias com o mérito que merece.

 

Setlist 

Refuse/Resist

Territory

Propaganda

Phantom Self

Dusted

Attitude

Spit

Kairos

Means to an End

Convicted in Life

Guardians of Earth

Mind War

False

Choke

Escape to the Void

Kaiowas

Dead Embryonic Cells

Biotech Is Godzilla

Agony of Defeat

Orgasmatron (Motörhead cover)

Troops of Doom

Inner Self

Arise

Bis

Ratamahatta

Roots Bloody Roots

Texto: Guilherme Goes
Fotos: Leandro Cherutti (@leandro_cherutti)