Jørn “Necrobutcher” reflete sobre quatro décadas de black metal, cancelamentos políticos e o peso de não ter salvado Dead
São Paulo será palco do encerramento histórico da turnê comemorativa dos 40 anos do Mayhem, uma das bandas mais influentes do black metal mundial. Em entrevista exclusiva, o baixista e fundador Jørn “Necrobutcher” Stubberud revela detalhes do espetáculo especial, aborda controvérsias políticas e compartilha pela primeira vez detalhes íntimos sobre sua relação com Pelle “Dead” Ohlin.
Entrevista por Marcos Franke – @franke_marcos
Aos 57 anos, Jørn Stubberud carrega nas costas uma das histórias mais intensas do metal mundial. Fundador do Mayhem em 1984, ele testemunhou a ascensão do black metal norueguês, sobreviveu às tragédias que marcaram a banda nos anos 90 e agora se prepara para encerrar simbolicamente um ciclo em solo brasileiro.
“São Paulo é o último show que vamos fazer da turnê dos 40 anos”, revela Jørn em entrevista por videoconferência de sua casa na Noruega. “Vai encerrar a turnê de aniversário de 40 anos ao redor do mundo. Então vai ser o último show que vamos fazer, eu acho.”
Um Espetáculo Audiovisual Único
A turnê comemorativa não é apenas uma apresentação comum do Mayhem. A banda desenvolveu um conceito especial que inclui um vídeo de duas horas projetado durante todo o show, com referências visuais a cada período da banda – desde fotos antigas dos primeiros demos até clipes de filmes e sessões de fotos históricas.
“Fizemos um vídeo, contratamos alguns coreógrafos de vídeo, e junto conosco, fizemos um vídeo de 2 horas por trás de todas as músicas, então poderia ser referências a tudo que tocamos no palco”, explica o baixista.
O momento mais emocionante do espetáculo é quando a banda “ressuscita” Dead, o lendário vocalista que se suicidou em 1991. “Separamos o vocal do Dead de um show lendário que fizemos em Leipzig em 1990. Então o trazemos de volta ao show, e ele canta a música ‘Funeral Fog’ por cima da nossa música”, conta Jørn.
A apresentação também conta com dois ex-membros da formação original: o guitarrista que ajudou a fundar o Mayhem junto com Jørn e Euronymous, e Billy Messiah, o primeiro vocalista da banda. “Então é quase a formação completa do ‘Death Crush’. Claro, só falta o Euronymous”, lamenta.
O Peso da Culpa: A tragédia de Dead
Pela primeira vez em décadas, Jørn abre o coração sobre sua relação com Pelle “Dead” Ohlin, o vocalista sueco que se juntou ao Mayhem em 1988 e se suicidou três anos depois. O relato revela uma dimensão profundamente humana e dolorosa da tragédia que marcou para sempre a história do black metal.
“Dead estava aqui na Noruega sem nenhuma família, sem nenhum amigo. Ele tinha nós, a banda”, conta Jørn, explicando como se sentia responsável pelo jovem músico estrangeiro. “Euronymous e Jan não eram realmente bons amigos dele. E eu era seu amigo, mas estava morando com minha namorada, alguns quilômetros de distância, enquanto eles estavam todos morando juntos em uma casa grande.”
O baixista revela que desde a chegada de Dead à Noruega, sentia-se obrigado a cuidar dele: “Desde que ele veio, eu me senti um pouco obrigado a ajudá-lo, porque obviamente ele estava longe de todos que conhecia e de tudo. Ele não tinha lugar para ficar, não tinha dinheiro para comida, nada. As coisas mais simples.”
A tragédia se torna ainda mais dolorosa quando Jørn revela que Dead havia avisado sobre suas intenções suicidas – mas não para ele: “Quando ele se matou, ele havia avisado as pessoas. Ele disse ao Hellhammer que tinha uma faca muito afiada, e ele até disse ao Euronymous que ia se matar naquele fim de semana. Mas ele não me disse nada.”
A razão por trás desse silêncio seletivo assombra Jørn até hoje: “Se você pensar sobre isso, ele sabia que eu ia ficar chateado. Então, por isso, ele não diria isso para mim. Mas esses dois outros caras não importavam, porque ele sabia que eles não eram tão próximos assim.”
“Isso me disse muito depois, e claro, me deixou ainda mais triste”, confessa o músico, revelando como essa percepção tardia intensificou sua dor e sentimento de responsabilidade.
Cancelamentos e Política: “Não Somos Nazistas”
A relação do Mayhem com o Brasil nem sempre foi tranquila. Na última turnê, dois shows foram cancelados por pressão política, uma experiência que ainda incomoda Jørn. “Não posso acreditar que isso aconteceu em um país como o Brasil, onde a expressão de fala… vocês não são mais um país de terceiro mundo. Vocês são um país desenvolvido, têm governos eleitos”, desabafa.
O músico atribui os cancelamentos a políticos oportunistas em busca de visibilidade: “Algum político corrupto que queria ter algum alvoroço sobre si mesmo no jornal. E ele conseguiu fazer isso. Eu não podia acreditar.”
A controvérsia levanta uma questão sensível: a associação errônea entre black metal e ideologias de extrema direita. Jørn é categórico ao se distanciar dessas correntes: “Eu ouvi sobre esse tipo de bandas, que são políticas e se chamam black metal, com atitudes de extrema direita, mas nós não somos isso, você sabe. Longe disso, nunca fomos isso.”
O baixista faz uma análise lúcida sobre como elementos extremistas infiltram-se em todos os gêneros musicais: “Em todos os diferentes tipos de música, existe esse tipo de coisa. Você tem os caras do punk, os skinheads. Você tem essas pessoas da música folk, que também são de direita, como nos Estados Unidos. Você tem música country hillbilly, que tem essa coisa de direita.”
Ele até mesmo faz uma provocação bem-humorada sobre o Ace of Base: “Eles deveriam ser banidos! Por uma real fucking razão.”
Brasil: Mais que um Destino, um Lar Emocional
Apesar dos problemas políticos pontuais, o Brasil ocupa um lugar especial no coração de Jørn. “Há muitas coisas que eu gosto sobre o seu país, e viajar por aí e tocar. Também conheci alguns grandes amigos ao longo dos anos no Brasil”, conta.
O músico demonstra um carinho genuíno pela cultura brasileira, especialmente pela gastronomia: “Meu restaurante favorito no mundo é no Brasil, você sabe, o churrasco? Eu amo essa coisa. Eu me certifico de sempre ir num restaurante destes.”
Ele também se encanta com a diversidade de frutas tropicais e a qualidade do café brasileiro: “Vocês são os reis do chocolate, você sabe, e eu amo chocolate”, brinca, mostrando até mesmo barras de chocolate brasileiro que guarda em sua geladeira.
Uma Vida marcada pela Morte
A reflexão sobre Dead se insere em um contexto mais amplo da relação de Jørn com a mortalidade. Ele conta que sua mãe uma vez observou: “Você tem 22 anos e eu tenho 50, e você conhece mais pessoas mortas do que eu conheço.”
“As pessoas que eu conheço que faleceram, está apenas dobrando e dobrando e dobrando. Suicídio, câncer, acidentes de carro… o tempo todo, parece. Overdoses de drogas também”, relata.
Mas Jørn encontra significado nas constantes perguntas sobre Dead e Euronymous: “É tão incrível que alguém se lembre e preste tributo a algumas pessoas que eu conhecia que morreram muito jovens. E que as pessoas ainda pensam neles.”
A diferença, explica, é que enquanto outros amigos que morreram jovens foram esquecidos, Dead e Euronymous continuam vivos na memória coletiva: “Esses dois caras que estavam na minha banda, eles ainda… as pessoas ainda falam sobre isso, você ainda fala sobre eles, todo mundo ainda fala sobre eles.”
O Futuro: Planejando a aposentadoria aos 67
Aos 57 anos, Jørn já pensa no futuro do Mayhem com pragmatismo. A banda tem um novo álbum, “Liturgy of Death”, programado para fevereiro de 2026, que iniciará um novo ciclo de turnês mundiais.
“Se conseguirmos aguentar mais 8 anos, teremos o aniversário de 50 anos. Na Noruega, você recebe sua pensão estatal quando tem 67 anos. E esse seria o ano em que eu recebo minha pensão estatal”, calcula. “Se chegarmos lá, eu ficaria feliz com isso. Seria uma conquista de toda a vida para mim.”
O músico é realista sobre as limitações físicas que virão: “Não somos apenas um cara com um violão que pode subir no palco e tocar algumas músicas do Johnny Cash até os 85 anos. Isso é alta energia, movimentos e técnicas que você precisa estar no seu jogo para conseguir colocar os dedos ao redor da coisa.”
Um Legado em Construção
Enquanto se prepara para o show de São Paulo, Jørn reflete sobre o impacto econômico e social que uma apresentação do Mayhem gera: “Quando fazemos um show, não é… gera tantas outras coisas. As pessoas que trabalham no local, elas recebem salário. Mantemos o clube aberto. Todas as pessoas ao redor, todas as pessoas que vendem comida no local.”
Para os fãs brasileiros, a mensagem é clara: esta pode ser a última oportunidade de ver este formato especial. “Espero que este vídeo e este artigo saiam o mais rápido possível e alcancem todas as pessoas ao redor de São Paulo, e então elas ouçam sobre isso… que estamos descendo, e é um show especial. E vocês precisam se acalmar e ver, porque vai ser… com esses convidados especiais e tudo, apenas uma vez que vamos fazer isso.”
O Mayhem retornará ao Brasil em aproximadamente dois anos para a turnê do novo álbum, mas será um conceito completamente diferente. Por enquanto, São Paulo terá a honra de encerrar quatro décadas de uma das histórias mais intensas do metal mundial – uma história marcada tanto pela genialidade musical quanto pelas tragédias humanas que a moldaram.
Confira a entrevista completa em nosso canal no youtube:
O show do Mayhem em São Paulo promete ser mais que uma apresentação – será o encerramento simbólico de uma era e a celebração de um legado que continua a influenciar gerações de músicos e fãs ao redor do mundo, carregando consigo as memórias daqueles que partiram cedo demais.


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