A lenda do Metal extremo baiano Malefactor retorna com o EP “The Sentinels”, uma oferenda aos deuses do underground e uma evocação direta do universo sombrio de Robert E. Howard, criador de Conan, o Bárbaro. Inspirada no conto “Black Colossus”, publicado originalmente na revista Weird Tales em 1933, a faixa-título do EP finca sua estaca em terreno fértil: o da fantasia sombria, da brutalidade épica e da mitologia hiboriana que tanto influenciou bandas como Bal-Sagoth, Ironsword e Domine.
Mas aqui, essa influência vai além de melodias ou narrativas heroicas — ela irrompe como um vendaval de guitarras inspiradas, vocais ritualísticos e atmosferas densas que parecem emergir diretamente das criptas do tempo ou de algum conto de Howard. Ou seja, quem acompanha a banda baiana desde os primórdios já reconhece estas referências como marca registrada do seu Unholy Metal. Saudosos os tempos do debut “Celebrate Thy War” (1999)!
Essa conexão com o universo de Howard, no entanto, não é novidade na discografia da banda. Em “Anvil of Crom” (2013), o Malefactor já havia prestado tributo direto à mitologia de Conan com a faixa homônima, inspirada em Crom — o deus cimeriano da guerra e da força, adorado por Conan. A música evoca a brutalidade e o misticismo que cercam essa divindade fictícia, demonstrando a afinidade da banda com os temas de fantasia sombria, honra bárbara e conflito ancestral. O próprio título do álbum já antecipava a reverência ao autor e sua estética de aço e sangue. A recorrência desses elementos ao longo da carreira da banda mostra que “The Sentinels” não é um ponto fora da curva, mas sim a continuidade madura de uma jornada temática cuidadosamente construída ao longo de mais de trinta anos.
Voltando à faixa de abertura, “The Sentinels” é um verdadeiro ritual sonoro dedicado ao mago Thulgra Khotan (também conhecido como Nathok, o Velado), vilão do conto de Howard. O Malefactor transforma essa figura necromântica em música extrema: uma marcha devastadora pesadamente opressiva mesclando partes mais cadenciadas com velocidade. Os vocais de Lord Vlad, que também é responsável pelo baixo,continuam sendo uma das assinaturas mais marcantes do grupo, conduzindo o ouvinte por atmosferas que evocam rituais ancestrais e maldições esquecidas (dá-lhe Howard!). As guitarras de Danilo Coimbra e Jafet Amôedo trazem riffs que se encaixam perfeitamente a temática, adicionando ainda um solo inspirado, embora curto, já na parte final da composição.

Mas o EP não para por aí. Em “Baron Samedi”, a banda mergulha nas águas profundas do vodu haitiano, homenageando a entidade que rege os cemitérios e os espíritos dos mortos. Com sua aura irreverente e ameaçadora, Samedi é personificado em uma composição que mistura teatralidade sombria e peso ritualístico, como uma procissão carnavalesca saída do além. A introdução faz jus ao tema, com a música seguindo uma linha mais cadenciada e pelos vocais limpos de Lord Vlad, alternados com os tradicionais guturais. De fundo, ótimas inserções de teclado, que dão uma aura épica mais acentuada, enquanto a dupla de guitarristas dá novamente um show entre riffs e solos. Excelente!
Na sequência, “Cristozofrenia” mergulha em uma introspecção obscura e apresenta um assunto mais atual. O título, uma fusão entre “Cristo” e “esquizofrenia”, traz à tona um conflito interno profundo entre fé, loucura e identidade espiritual. Trata-se de uma crise religiosa e psicológica, onde o indivíduo se vê dividido entre visões celestiais e tormentos mentais, em uma luta constante entre redenção e desespero. O pano de fundo para esta letra entrega uma pegada mais rápida e extrema, mas sem esquecer, novamente, do trabalho das seis cordas e das melodias e fúria que delas emanam.
Fechando o EP, a épica “Aghori – Purification and Profanation” aborda os Aghoris, seita hindu conhecida por práticas radicais de ascetismo que buscam a iluminação espiritual por caminhos considerados impuros — como meditação em cemitérios e rituais envolvendo restos mortais. A música traduz esse paradoxo entre pureza e profanação com a sonoridade clássica da banda, com os vocais limpos de Lord Vlad se sobressaindo.
Musicalmente, “The Sentinels” é coeso e poderoso, mergulhando fundo no mundo de Robert E. Howard e em outras paragens. As influências literárias e espirituais são incorporadas com inteligência, e os arranjos mostram uma banda madura, que domina com autoridade tanto o peso quanto a construção de atmosferas épicas. O vocal de Lord Vlad permanece como um dos mais característicos do Metal nacional, conduzindo cada narrativa como se fosse o próprio narrador dos tempos de outros mundos. O único defeito de “The Sentinels” é ser curto demais. A nova fase do Malefactor pede um álbum completo — e urgente. Por Crom!
Além das plataformas digitais, a versão física do EP será lançada em julho, com edições para agradar colecionadores de formatos LP, CD e fita K7.
Track list do álbum:
- The Sentinels
- Baron Samedi
- Cristozofrenia
- Aghori – Purification and Profanation
Confira o EP do Spotify:
Assista ao vídeo de “Cristozofrenia”:
