“Espresso della Vita: Lunare” do Maestrick aprofunda o conceito da jornada da vida com trilha sonora inspirada

Em uma cena musical marcada pela instantaneidade e pela produção desenfreada de conteúdo, o Maestrick, de São José do Rio Preto/SP, segue na contramão. Em duas décadas de estrada, o grupo lançou apenas três álbuns: “Unpuzzle!” (2011), “Espresso della Vita: Solare” (2018) e agora o riquíssimo “Espresso della Vita: Lunare”. Uma curta, mas impactante discografia, com qualidade de sobra e movida a músicas memoráveis, como “Rooster Race”, de “Solare”, onde o grupo resolveu inserir violas caipiras em sua abertura, para combinar com sua temática, que celebra a vida simples no campo, as raízes e a passagem do tempo, usando uma metáfora da “corrida do galo” — algo como a corrida da vida, que começa com o cantar do galo e nos impele a seguir em frente. “Solare” é, na verdade, a primeira parte de um projeto conceitual criado pela banda, se valendo de uma metáfora onde uma viagem de trem simboliza nossa própria jornada, ou a jornada da vida.

Diante deste propósito complexo, Fábio Caldeira (Vocal, piano, sintetizadores, orquestrações), Guilherme Carvalho (guitarra/vocal), Renato “Montanha” Somera (baixo/vocal) e Heitor Matos (bateria/vocal) lançam a segunda parte deste projeto, através da gravadora italiana Frontiers Music. “Espresso della Vita: Lunare” traz, após sete anos, uma banda ainda mais inspirada, cercando-se ainda das participações especiais de nomes consagrados do Metal Progressivo como, Jim Grey (Caligula’s Horse), Roy Khan (Conception, ex-Kamelot), Tom Englund (Evergrey), do grupo Maracatu Movimento Baque Mulher, da atriz e cantora Giulia Nadruz e do Coral Sharsheret, time que enriqueceu ainda mais o trabalho.

Foto: Gisele Turteltaub

Enquanto “Solare” simbolizava a parte diurna e solar da vida, “Lunare”, obviamente, mergulha em temas mais introspectivos, noturnos e emocionais, onde o ouvinte embarca em uma nova viagem de trem. A jornada aqui é menos sobre o impulso do início e mais sobre as encruzilhadas da existência: dúvidas, perdas, silêncios e o confronto com o que não se controla. A própria musicalidade reflete esse contraste: ainda que o virtuosismo técnico continue presente, o álbum é mais denso, atmosférico e dramático. Há espaço para melodias melancólicas, harmonias corais e ritmos que evocam uma certa solenidade, sem perder a fluidez que caracteriza o estilo progressivo da banda.

O diálogo entre música e conceito permanece um dos pontos altos do Maestrick. A metáfora do trem não é apenas estética: ela organiza a narrativa e guia o ouvinte por esta travessia emocional. As faixas funcionam como estações — algumas mais agitadas, outras contemplativas — mas todas conectadas por um sentimento de coerência artística raro. O álbum é, ao mesmo tempo, sofisticado e sensível; técnico e acessível; lírico e humano. Uma obra-prima do Metal brasileiro. Exagero? Ouça!

E eleger as melhores músicas aqui é uma tarefa árdua, pois todas se conectam de alguma forma e formam uma unidade compacta, mesclando peso, melodias, arranjos inspirados e uma aura épica digna de trilha sonora de filmes. Para situar o leitor, temos “Ghost Cassino”, onde o ouvinte pode se imaginar num cabaré, ao mesmo tempo em que “Dance of Hadassah” mostra um lado mais triste e melancólico, com muitos pianos e um trecho em ídiche, mantendo viva a memória histórica dos horrores do Holocausto. Esse trecho da letra faz parte da canção tradicional ídiche “Oyfn Pripetchik”, composta por Mark Warshawsky no final do século XIX, ensinada a crianças em tempos antigos, simbolizando a transmissão do conhecimento, identidade e memória cultural judaica.

“Agbara”, que ganhou um fantástico lyric vídeo, é um verdadeiro caldeirão cultural. Com a participação especial do grupo Maracatu Movimento Baque Mulher e do vocalista Jim Grey, da banda australiana Caligula’s Horse, a faixa se destaca pela fusão entre o Metal progressivo e ritmos tradicionais brasileiros. Assim como fizeram, em diferentes momentos, Overdose, Sepultura, Angra e tantas outras bandas, o Maestrick enriquece sua sonoridade ao incorporar elementos regionais — e o resultado aqui é espetacular. Uma música para ser ouvida com a mente e os ouvidos bem abertos. É a “Rooster Race” deste novo álbum, ou seja, minha preferida.

Na sequência, a moderna “Lunar Vortex”, com participação de Roy Khan, adota uma abordagem mais densa e pesada, com direito às quebradeiras tradicionais do gênero e atmosfera carregada. O trem chega à sua última estação com a extensa “The Last Station (I A.M. Leaving)”, uma faixa repleta de nuances, dinâmicas e transições que desafiam rótulos. Tão rica em detalhes que explicá-la em poucas linhas seria uma tarefa ingrata — mas ouvi-la até o fim é um convite irrecusável.

Como se não bastasse uma musicalidade rica, a parte visual também é um espetáculo à parte. Contando novamente com a artista gráfica Juh Leidl (Pandemmy, StormSons, Twilight Aura), o Maestrick torna o pacote ainda mais envolvente, apresentando uma arte em estilo fantástico e surrealista, repleta de elementos-chave que dialogam diretamente com a temática do álbum. Em tempos de inteligência artificial, apreciar uma arte desse quilate é um presente.

Track list do álbum:

  1. A Very Weird BeginningUpside Down
  2. Boo!
  3. Ghost Casino
  4. Mad Witches
  5. Sunflower Eyes
  6. The Root
  7. Dance of Hadassah
  8. Agbara
  9. Lunar Vortex
  10. Ethereal
  11. The Last Station (I A.M. Leaving)

Confira o álbum do Spotify:

Assista ao vídeo de “Agbara”: