O duo francês The Inspector Cluzo lançou na última sexta-feira, 6 de junho, o seu décimo álbum, Less Is More. Conhecidos como “dois fazendeiros orgânicos da Gasconha”, a dupla apresenta um trabalho com influências que remetem ao som cru do The White Stripes e ao início do Clutch, além de letras inspiradas em temas sociais e filosóficos, como os abordados por Henry David Thoreau e Guy Debord. O segundo single do disco, “As Stupid As You Can”, está disponível com videoclipe gravado na fazenda da banda, Lou Casse. O grupo também anunciou uma extensa turnê pela Europa, Estados Unidos e Canadá para 2025. Em entrevista ao Heavy Metal Online, o duo formado por Laurent “Malcolm” Lacrouts, (guitarra e vocal) e Mathieu “Phil” Jourdain (bateria), comenta o processo de criação do álbum e os desafios de manter sua identidade em um cenário musical em constante mudança.
Confira a entrevista a seguir.
Por Jessica Valentim
Jessica: Oi, pessoal! Como vocês estão hoje?
IC: Estamos bem, oi Jessica!
Jessica: Obrigada por me receberem.
IC: De nada.
Jessica: Vou começar falando sobre o seu último single, “As Stupid As You Can”. O título é provocativo e instigante. Qual é a mensagem por trás dessa música? Quem ou o que ela está atacando?
IC: É uma música sobre o filósofo francês Guy Debord, que escreveu em 1967 um livro chamado La Société du spectacle — em espanhol, La Sociedad del Espectáculo. É um livro que criticava como, naquela época, a França e os países ocidentais em geral estavam entrando no materialismo, consumismo e na criação de narrativas de marketing para vender produtos. O livro mostrava de forma filosófica que, a longo prazo, isso levaria a uma sociedade invertida, onde a verdade vira só um momento da mentira. Essa é exatamente a sociedade em que vivemos hoje, 60 anos depois. Por isso usamos o título “As Stupid As You Can” — uma forma americana de dizer algo parecido, mais direta e com cara de rock/pop. Por trás disso está essa crítica à sociedade do espetáculo e a dificuldade que temos hoje em diferenciar o que é verdade do que é falso. Infelizmente, muita gente, incluindo políticos, usa essa confusão para seus interesses. É um momento difícil, mas é consequência da sociedade de consumo que começou há 60 anos. Essa é a ideia da música.
Jessica: É uma mensagem forte. Tomara que todo mundo entenda.
IC: Não tenho tanta certeza, mas a gente tem que falar.
Assista ao vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=pDdlm1YZp0Y
Jessica: E sobre o videoclipe, como surgiu a ideia? E quão importante é para vocês manter o ambiente pessoal como parte da expressão artística?
IC: Nesse caso, chamamos um amigo do Chile, o Lorenzo de La Masa, para fazer o vídeo. Já tínhamos trabalhado com ele em um clipe anterior, We People of the Soil, e gostamos muito do jeito dele filmar, do olhar dele sobre a gente e nossa música. Trouxemos ele para a fazenda, porque para nós era importante ficar no nosso ambiente para fazer o vídeo. Os próximos vídeos também foram gravados aqui, no celeiro, onde agora têm alguns gansos bebês. Filmamos tanto dentro quanto fora, para acompanhar a mensagem da música. Foi conveniente, porque somos fazendeiros e trabalhamos na fazenda todos os dias, então conseguimos equilibrar a música com o trabalho no campo. Foi perfeito para a mensagem do álbum.
Jessica: E o novo álbum Less Is More saiu na sexta-feira, certo? (N.E. A entrevista foi realizada dois dias antes do lançamento do álbum) Parabéns pelo décimo álbum. Como esse título reflete a trajetória de vocês, tanto musical quanto filosoficamente?
IC: Musicalmente, queríamos fazer algo simples. Less Is More vem do blues, onde com uma ou poucas notas você pode expressar muito. Queríamos manter o som cru, porque somos só nós dois — guitarra e bateria — então fizemos um álbum direto, sem grandes arranjos. Nosso produtor e amigo Vance Powell veio para a fazenda e disse: “Vamos fazer um álbum ‘foda-se’, rock’n’roll está morto, quem liga? Vamos fazer do nosso jeito, cru e direto.” Gravamos em Nashville em quatro dias, ele mixou em três. A gente se preparou muito antes, ensaiando por dois anos, tocando as músicas ao vivo. Os arranjos são simples, só uma guitarra extra para balancear o som. Isso é Less Is More.
Jessica: Vocês mudaram algo no processo de composição desta vez?
IC: Não, o processo foi o mesmo. O Laurent pega o violão acústico, toca algumas melodias e acordes, e vêm as letras. Depois escolhemos como fazer — pode ser com arranjos grandes, como já fizemos com orquestra, ou só acústico, como no álbum Brothers in Ideals. Pode ser eletrificado, mas sempre simples, sem grandes produções. Less Is More é isso.
Jessica: Li que vocês mencionam Henry David Thoreau e Guy Debord como inspirações. Que ideias deles influenciaram o conceito do álbum?
IC: Sobre Guy Debord, já falamos na música “As Stupid As You Can”. Henry David Thoreau foi um filósofo e naturalista americano do século XIX, considerado o primeiro ecologista do planeta. Ele foi o primeiro a falar sobre pós-desenvolvimento, dizendo que o crescimento desenfreado está destruindo o planeta, então precisamos de um crescimento inteligente, local, social e ecológico. Ele viveu em uma cabana na floresta e escreveu o livro famoso Walden, onde explica como viveu isolado do mundo. Outro livro dele, A Desobediência Civil, influenciou Martin Luther King e Gandhi, falando sobre a resistência pacífica. Muitas músicas do álbum falam disso — às vezes as regras são injustas por causa de interesses econômicos e políticos, e é preciso desobedecer pacificamente. Sabemos disso na agricultura e na música independente. Às vezes, temos que dizer “não” sem violência, só resistência.
O álbum fala sobre isso: Less Is More é música blues, mas também é o conceito de pós-desenvolvimento frente às mudanças climáticas. Debord e Thoreau são nossas referências, aplicadas na música e na fazenda, que é uma agricultura ecológica de pós-desenvolvimento. Na indústria da música, recusamos grandes contratos porque queremos um impacto menor no planeta. Por exemplo, usamos fertilizantes verdes na fazenda que capturam carbono, compensando as emissões dos nossos voos. Se tocarmos no Lollapalooza no ano que vem, compensamos o carbono emitido porque o solo da fazenda armazena carbono suficiente.
Também planejamos shows menores, com menos impacto ambiental, em vez de arenas gigantes. Isso é mais barato para o público e menos poluente. Shows grandes hoje viram mais espetáculo de vídeos do que música ao vivo. Nós tocamos ao vivo de verdade, só nós dois no palco, simples e direto. É possível equilibrar turnês e cuidar do planeta.
Jessica: Se tivessem que resumir o que Less Is More significa em uma frase, qual seria?
IC: Less Is More. É simples assim.
Jessica: Vocês têm uma turnê grande pela Europa, EUA e Canadá. O que esperam mais nessa viagem? E planejam voltar à América do Sul?
IC: Vamos fazer turnê nos EUA neste verão com o Clutch. Depois voltamos para cuidar da fazenda. O plano é voltar à América do Sul, sim. Estamos tentando participar do Lollapalooza no ano que vem. Tocamos em 2019 e foi incrível, sabemos que o público espera por nós. Estamos fazendo muita promoção para isso, pedindo para o Marcelo Belardo ajudar a trazer a gente. Queremos voltar em março. Também estamos em contato com países como Colômbia e México, pode rolar uma turnê latino-americana. Estamos fazendo o possível para isso.
Jessica: Tomara que dê certo! Para finalizar, que mensagem vocês gostariam que os fãs levassem da nova música?
IC: A gente não sabe. Cada um vai interpretar do seu jeito, não podemos controlar isso. O álbum é para a gente, para expressar nossas convicções, não para forçar ninguém a seguir nosso caminho. Se as pessoas se interessarem pelo que fazemos, ótimo. Se não, tudo bem também.
Less Is More foi lançado no dia 6 de junho, pela F*** the Bass Player Records/ Virgin UK International, e está disponível nas principais plataformas de streaming.
O novo single “Catfarm” já está disponível e vem acompanhado de um videoclipe bem-humorado, que mostra que a banda também sabe rir de si mesma — mesmo ao abordar temas sérios. O clipe está disponível AQUI.
O lançamento segue os singles anteriores “We Win Together, I’m Losing Alone” e “As Stupid As You Can”.
Saiba mais sobre a banda aqui https://theinspectorcluzo.com/en/.
Agradecimentos: For Music | Carolina Martins
