Amen Corner invoca as raízes do Black Metal com “Written by the Devil”

Poucas bandas no Brasil podem reivindicar com legitimidade o título de pioneiras do Black Metal como o Amen Corner. Formada em 1992 na cidade de Curitiba, em meio a um cenário ainda embrionário do Metal extremo nacional, a banda surgiu com o propósito de cultivar uma arte musical sombria, ritualística e anticristã, fiel à linhagem original do gênero. Com álbuns como “Fall, Ascension, Domination” (1993) e “Jachol Ve Tehilá” (1995), o grupo cravou seu nome ao lado de nomes como Sarcófago, Mystifier e Impurity, sendo um dos pilares da tradição sulista do Black Metal.

Durante três décadas, entre reformulações, hiatos e renascimentos, o Amen Corner manteve-se intocável em sua proposta estética e ideológica: riffs soturnos, vocais gélidos, ambientações litúrgicas e uma devoção quase monástica à tradição do Metal negro da década de 90, sem jamais se curvar às tendências de modernização do gênero.

Com “Written by the Devil”, lançado em 2024 pelas gravadoras Metal Army Records (Brasil) e Hammerheart Records (Holanda), o grupo mantém seu papel como guardião do Black Metal tradicional, oferecendo uma obra que respeita o legado que ajudaram a construir, ao mesmo tempo em que alcança novas audiências.

Desde os primeiros minutos de “Intro (Call of the Dark Path)”, com seus cânticos evocativos e ambiência funerária, o ouvinte é transportado para o coração de um templo profano. A sequência “The War of the Antichrist” já expõe o DNA do álbum: Black Metal arrastado com um pé no Heavy Metal clássico, com riffs densos, cortinas de distorção abafada e vocais que ressoam como preces invertidas.

Sucoth Benoth, vocalista e figura icônica da banda, entoa seus versos com teatralidade e reverência, como um sacerdote, conduzindo uma missa negra. As letras, carregadas de simbolismo, falam de queda espiritual, orgulho luciferiano e rejeição à moral cristã. Como em “Lucifer, a Suprema Luz da Manhã”, faixa narrada que se destaca por seu clima lúgubre. Aliás, a atmosfera que envolve o álbum carrega um ar realmente pesado, algo difícil de encontrar na maioria dos lançamentos do gênero.

Há momentos de destaque, como “The Protectors” e “Inferno”, que não abrem mão do peso e da densidade. Aliás, é na cadência arrastada que o Amen Corner insere toda sua identidade, apostando na imersão e no clima, mais do que na velocidade ou brutalidade.

Visualmente, “Written by the Devil” também merece destaque. E que destaque! A arte da capa foi criada por Marcos Miller, do estúdio Nausea Image, de Porto Alegre, com base no conceito desenvolvido pelo guitarrista Murmúrio, após um sonho. Conhecido por sua atuação no cenário underground extremo, Miller já assinou trabalhos para bandas como Mental Horror, Decimator e até os alemães do Desaster. A arte lembra muito as obras criadas na década de 1990, e é tão orgânica quanto a sonoridade do álbum.

A produção é equilibrada: orgânica, abafada, com certa aspereza analógica, evitando o brilho digital que esvaziaria a proposta da obra. Os timbres da guitarra de Murmúrio, firmes e granulosos, ecoam a escola de nomes como Mortuary Drape, Samael, Rotting Christ e até os primórdios do Celtic Frost. O baixo de Fernando Grommtt pulsa com clareza e até protagonismo incomum para o estilo, soando muito bem timbrado. A bateria, a cargo de Tenebrae Aarseth, cumpre sua função de forma sólida, com levadas cadenciadas e pesadas.

Os vocais merecem menção especial: teatrais e angustiados, estão entre os mais expressivos da discografia da banda. Sucoth, também conhecido como Paulista, com quase 60 anos de idade, mostra em cada verso como soar maligno sem precisar de urros ou berros.

No geral, “Written by the Devil” é um daqueles trabalhos feitos com tanto esmero e paixão que podemos sentir o feeling brotando das caixas de som.

Track list:

  1. Intro
  2. The War of the Antichrist
  3. The Protectors
  4. Fall and Ascension
  5. Signal from Beyond
  6. Inferno
  7. Written by the Devil
  8. The Splendor of Your Presence
  9. Lúcifer, a Suprema Luz da Manhã
  10. Destroyer of Worlds (Bathory)

Confira o álbum no Spotify:

Ouça no YouTube: