Com seu quarto registro de estúdio, “Como Nascem os Monstros”, a banda paulista Manger Cadavre? mergulha fundo nas fissuras do medo como motor da sociedade contemporânea. Lançado em fevereiro, o disco é um trabalho conceitual, visceral e politicamente urgente, que amplia as bases do Crust, HC e Metal extremo, unindo letras afiadas a uma produção sólida.
Gravado no Family Mob Studios, com produção de Leonardo Mesquita, Otávio Rossato e David Menezes, o álbum alcança um ponto de equilíbrio entre a crueza característica da banda, com uma mixagem e masterização que destacam cada camada instrumental e vocal sem perder a agressividade. A vocalista Nata Nachthexen mantém uma performance que é tanto bruta quanto articulada. Um detalhe que não passa despercebido é a duração do álbum, a maior já registrada pela banda. 45 minutos de pura pancadaria, superando o segundo álbum, “Decomposição” (2021), de 36 minutos.

As letras são a espinha dorsal do disco. Em vez de recorrer ao panfleto direto, a banda opta por uma abordagem mais simbólica, poética e inquieta, explorando o medo como ferramenta de manipulação, vigilância, alienação e paralisia. A faixa de abertura instrumental, “Insônia”, estabelece um clima denso, pesado, introspectivo e melodioso, com arranjos acústicos e tudo mais, que logo explode em “Engaiolados”, onde se denuncia o aprisionamento moderno via tecnologia e consumo.
A excelente “Obsolescência Programada”, que transita do ritmo lento ao veloz, perfeito para o pogo, critica o trabalho precarizado e o ciclo do consumo, enquanto a rápida faixa-título, “Como Nascem os Monstros”, discute a fabricação social da violência institucional e da intolerância, em versos como: “É um feitor autoritário… instaurando o horror”. Destaque para as linhas de guitarra de Paulinho, sobretudo os riffs mais melódicos em meio aos mais extremos. A pegada de “A Terceira Onda” é empolgante, perfeita para os shows.
Em “Mortos que Caminham”, a crítica se volta à lógica das redes sociais que alimentam o medo e desmobilizam pela saturação: “Fragmentando o discernimento… mortos que caminham”. Já “Câncer do Mundo (Capitalismo)” sintetiza o espírito do álbum, descrevendo o sistema como um tumor que devora tudo: “Vivendo a distopia em tempos áridos… esse demônio sem face…”. A alternância entre melancolia e a violência fica evidente nas faixas “Murmúrio” (praticamente Doom) e na ligeira “Efêmero”.
Musicalmente, o álbum é impiedoso, rico e diverso. Os riffs são afiados e ríspidos, mas com melodias evidentes, a cozinha transita entre diversos ritmos e a vocalista Nata dispensa comentários. No geral, a sonoridade não abre mão da identidade própria construída ao longo dos anos, se tornando difícil categorizar a banda em apenas um estilo. Aliás, isso nem deve ser uma preocupação para a banda, que pode transitar por diversos estilos sem medo de ousar.
A belíssima arte da capa, assinada por Bárbara Gil, traz uma estética entre o anatômico e o abstrato, representando os monstros invisíveis criados dentro de cada um. Qual o seu?
Lançado em CD físico por selos independentes como Vertigem Discos, Brado Records, Helena Discos e BC Noise Records, além das plataformas digitais, “Como Nascem os Monstros” é mais que uma sequência de faixas agressivas. O disco é uma narrativa bem estruturada, um espelho estilhaçado do nosso tempo e um chamado urgente à consciência crítica em meio ao emburrecimento generalizado.
Track list:
- Insônia (instrumental)Engaiolados
- Obsolescência Programada
- Como Nascem os Monstros
- A Terceira Onda
- Paralisia
- Retórica do Silêncio
- Mortos que Caminham
- Murmúrio
- Efêmero
- Câncer do Mundo (Capitalismo)
- Abutres
Confira o single “Sem Lugar de Fala” do Spotify:
Ouça a música “Como Nascem os Monstros”:
