Um raio lapidado em aço: “Diamante” é o novo ataque do Trovão

O segundo álbum do Trovão, intitulado “Diamante”, não é apenas uma homenagem à era dourada do Hard Rock, AOR e Heavy Metal tradicional — é, em muitos aspectos, um manifesto de amor pelo Metal oitentista. Lançado em abril com distribuição internacional – inclusive em vinil – e arte envolta em estética retrô, o disco mostra o que o grupo paulista já havia sinalizado em sua estreia com “Prisioneiro do Rock ‘n’ Roll” (2021): eles não estão aqui para brincar.

Logo na abertura com “Preso ao Passado”, fica evidente que o Trovão bebe em fontes como Judas Priest, Accept e Dokken: riffs cortantes, refrãos que se fixam como cicatriz e solos que serpenteiam com muita melodia. A produção, embora polida, mantém a crueza das performances, sem esterilizar o impacto dos arranjos.

“Seres da Noite”, lançada previamente como single, expande a sonoridade com teclados que remetem ao AOR e ao Metal cinematográfico dos anos 80.  A faixa “Trovão”, que carrega o nome da banda, é um dos pontos altos do disco. Pesada e acelerada, ela sintetiza bem a proposta do grupo: riffs diretos, refrão inflamado e solos que beiram o hard rock sem abandonar o peso. É o tipo de faixa que soa como um cartão de visitas. Já “Até o Fim” mostra a faceta mais urgente do Trovão, com refrão explosivo e uma pegada que remete ao lado mais melódico do Power Metal europeu.

A faixa “Olhos da Cidade” desacelera o andamento e entrega uma das melhores faixas do disco, com momentos em que lembra uma balada, sem cair na pieguice. Aqui, vocalista Gustavo (já vamos falar mais dele) canta com emoção e equilíbrio.

A faixa-título “Diamante” é um hino mid-tempo com refrão grudento e lirismo ambíguo, pois fala tanto de resistência quanto de fragilidade. O destaque aqui é a guitarra dupla, que parece conversar com o ouvinte em cada harmonia. Uma coisa ficou clara desde o início: Alexandre Gatti e Igor Senna não pouparam na criação de riffs e solos.

Um dos momentos mais surpreendentes do disco talvez seja o cover de “Não Lembre Mais de Mim”, originalmente gravada pela banda carioca Vapor nos anos 1980. Em vez de apenas recriar a faixa, o Trovão a reinventa com mais peso, ampliando seu potencial. É um gesto de respeito à história do Metal nacional e também uma ponte com o passado obscuro do underground brasileiro. A música traz um festival de riffs e solos marcantes, com um refrão que gruda igual chiclete. Que pérola!

Neste caso em especial, o Trovão foi realmente a fundo, pois é a primeira vez que ouço falar no Vapor. Trata-se de uma banda formada em 1984 e que nesta música, segundo Evandro de Vlad, contava com Sérgio Vid (vocais), Julinho Maia (guitarra), Beto Ibeas (baixo) e Otávio Henrique (bateria), todos com passagens por bandas e artistas consagrados como Celso Blues Boy, Sangue da Cidade, Sangue Azul, The Fevers, Metalmania, Bixo da Seda e outros.

Confira a versão original do Vapor:

Mais direta, “Sociedade Corrompida” abre com riffs à la Van Halen. A faixa traz um refrão poderoso e guitarras que se entrelaçam em duelos épicos, com solos flamejantes. Para fechar o álbum, “Insanidade” acelera o ritmo com um pulso galopante, embalado por camadas densas de sintetizadores que criam uma atmosfera quase hipnótica. É um encerramento perfeito, que deixa o ouvinte respirando fundo e pronto para colocar o álbum para tocar novamente. Viciante!

Vale aqui destacar a forte presença do vocalista Gustavo, nome conhecido no underground brasileiro por sua atuação marcante no Selvageria, banda que ajudou a redefinir os rumos do Speed/Thrash cantado em português na década passada. Se no Selvageria ele vociferava com fúria sobre ataques, armas letais, maldições e gladiadores, no Trovão suas linhas vocais ganham nuances mais melódicas, sem perder a garra visceral que o caracterizou. É como se o aço forjado do Speed Metal tivesse sido lapidado para refletir a luz intensa de uma joia, um diamante, naturalmente.

Produzido por Rodrigo Toledo, o álbum soa limpo e poderoso. As guitarras têm brilho, o baixo de Lucas Chuluc pulsa com firmeza e a bateria de Alan Caçador sustenta cada virada com segurança. A mixagem permite que os teclados coexistam com a distorção sem brigar por espaço. A arte da capa, com traços em airbrush e cores vibrantes, parece saída de uma fita cassete de 1987, e isso é um baita elogio. O visual ajuda a contextualizar a proposta da banda: nostalgia sem paródia, reverência sem pastiche.

“Diamante” é um disco que poderia muito bem ter sido lançado entre “Point of Entry” (do Priest) e “Restless and Wild” (do Accept), com vocais em português. Melhor ainda: as músicas caberiam perfeitamente nas trilhas sonoras de filmes como “Hard Rock Zombies” (1985) ou “Trick Or Treat” (1986) ou de qualquer película de terror lançada naquela época. Mas o mérito do Trovão está justamente em reinterpretar uma linguagem clássica com sotaque brasileiro, sem diluir sua essência e sem ficar literalmente preso ao passado. Perfeito!

Track list:

  1. Preso ao Passado
  2. Seres da Noite
  3. Trovão
  4. Até o Fim
  5. Olhos da Cidade
  6. Diamante
  7. Não Lembre Mais de Mim (cover de Vapor)
  8. Sociedade Corrompida
  9. Insanidade

Confira o álbum no Spotify: