O Uganga chega ao seu sétimo trabalho de estúdio com uma proposta que vai além da música. Lançado em maio, “Ganeshu” apresenta dez faixas que apresentam uma nova fase do grupo mineiro, que segue sua tradição em explorar o Crossover sem perder a oportunidade de buscar experimentações musicais e diálogos culturais aliados a críticas sociais.
A escolha do título já aponta para esse caminho: uma fusão simbólica entre Exu e Ganesha, personagens centrais de tradições distintas, mas que compartilham significados de transformação e abertura de caminhos. Exu, nas religiões afro-brasileiras, é o mensageiro entre mundos, guardião das encruzilhadas e da comunicação. Já Ganesha, no hinduísmo, é o deus com cabeça de elefante, reverenciado como removedor de obstáculos e protetor de novos começos. Ao uni-los em um só conceito, o Uganga propõe um álbum que não apenas cruza estilos musicais, mas também integra espiritualidades, buscando uma expressão que seja ao mesmo tempo brutal e transcendente. Algo que já conhecemos de seus discos anteriores.
A história do Uganga começa nos anos 1990, em Araguari, interior mineiro, quando ainda atendia pelo nome de Ganga Zumba. A partir de 2002, já como Uganga, o grupo construiu uma discografia marcada pela inquietação e pela fusão de influências, com destaque para “Opressor” (2014), “Servus” (2019) e “Libre!” (2022). Sempre fiel ao idioma português nas letras e à proposta de dialogar com diferentes universos culturais, a banda construiu uma trajetória baseada em integridade musical e lírica, sem medo de cutucar as feridas abertas da nossa realidade.
“Ganeshu” marcou também uma nova formação em estúdio. Ao lado do vocalista Manu Joker (ex-Sarcófago e Angel Butcher), que permanece como a voz e referência do grupo, gravaram o disco Jean Pagani (guitarra e vocal), Raphael “Ras” Franco (baixo e vocal) e Juninho Silva (bateria). Essa renovação injetou energia sem apagar a identidade forjada em quase três décadas de estrada. O resultado é um disco que preserva sua tradicional base Thrash/Crossover, mas expande horizontes com nuances próprias dessa nova fase.
Atualmente o line-up conta com os novos integrantes Vinícius Luz (guitarra e vocal) e Igor Wallace (baixo e vocal), além de Manu Joker e Juninho Silva.
A abertura com “Igarapés” traz um clima enigmático, preparando o terreno para uma sequência matadora com a veloz “A Profecia” (ótimo solo de guitarra!), a mezzo cadenciada mezzo rápida“Confesso”, de letras afiadas e um momento de respiro com arranjos da cozinha. Na sequência, “Tem Fogo!” une diversos elementos musicais, do Rap ao mais puro Thrash, destacando os breakdowns pesadíssimos, servindo de fundo para uma letra que homenageia o Cerrado e faz uma crítica aos vícios que nos consomem, e por fim, também homenageia Iansã, orixá regente dos ventos, tempestades, raios e trovões. No geral, é uma música variada e riquíssima, um dos destaques do play.
Assista ao vídeo de “Tem Fogo”:
Vindo na mesma pegada meio cadenciada, meio rápida, vem “Sonho”, enquanto “Psicoraio Dub”, como o próprio nome já diz, traz uma pegada dub e eletrônica, sem soar deslocada ao restante do material. Já “Exu Não Passa Pano” (belíssimo título e de refrão grudento) possui ótimos fraseados de guitarra, mesclando um pique Hardcore que ao vivo deve ferver o moshpit, além de uma cozinha inspirada.
“D. R. Ones” é um pequeno e instigante interlúdio, enquanto a faixa-título “Ganeshu”, a mais longa do álbum, reúne um pouco de tudo o que foi apresentado até aqui, com ótimos riffs de Jean Pagani e linhas de bateria inspiradas de Juninho Silva. Aqui ainda temos o folclórico Manu Joker cantando de forma mais contida e o resultado é excelente. O finalzinho mais extremo deu um toque especial à faixa, assim como seus ritmos regionais. O encerramento com “Pressentimento” traz as participações especiais de Jonas Pheer, O Eremita Roots e Isabela Melo, dando destaque ao caráter mais plural do disco em uma música à la Racionais MCs.
Produzido no Rocklab Studios, em Anápolis/GO, o álbum tem produção assinada por Gustavo Vazquez e pelo próprio vocalista Manu Joker, “Ganeshu” transmite muita energia. É o Uganga de sempre, preservando sua identidade, mas disposto a arriscar e a integrar referências que extrapolam o Metal e que as vezes podem causar polêmica, mesmo em meio a um estilo que preza pela quebra de paradigmas. “Ganeshu” segue a boa leva de lançamentos de 2025 e mostra uma banda com personalidade e energia de sobra. Zero defeitos.
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