Soulspell retorna com o épico ‘Spirits of Ghosts’: a Metal Opera brasileira em seu quinto ato

Quando se fala em “Metal Opera”, é inevitável lembrar de nomes como Avantasia, Ayreon ou mesmo o pouco lembrado Genius: A Rock Opera, dos ex-Empty Tremor, Dario Ciccioni e Daniele Liverani. Até projetos menos conhecidos, como o alemão Taraxacum, também exploraram essa fusão épica com múltiplos vocalistas, cada um assumindo um papel em uma história. Cada um destes projetos – e outros tantos mais, como o Aina e o nosso Hamlet – carrega suas próprias características, mas todas compartilham o desejo de transformar álbuns em uma história a ser acompanhada. No entanto, enquanto os europeus dominaram esse formato por anos, foi do Brasil que surgiu uma resposta à altura: o Soulspell Metal Opera, ou simplesmente Soulspell, idealizado pelo baterista e compositor Heleno Vale em 2004.

O Soulspell nasceu com uma proposta bem conhecida: unir diversos músicos em torno de uma saga conceitual, dividida em atos, que pudesse dialogar com filosofia, literatura, religião e outros temas. Desde o debut “A Legacy of Honor” (2008), o projeto vem se expandindo não só musicalmente, mas também em sua narrativa, construindo uma mitologia única. Cada álbum é um capítulo de uma ópera contínua, com novos personagens e dilemas que se conectam ao todo. É algo complexo, mas fácil de se ouvir. Diferente do Avantasia ou Ayreon, aqui temos uma história unificada, mais centralizada, com personagens recorrentes e desenvolvimento de longo prazo.

Lançado em março, o play chega depois de longos oito anos após o quarto ato e apresenta uma evolução em comparação com os anteriores. Com oito faixas e quase cinquenta minutos de duração, “Spirits of Ghosts” mostra o projeto cada mais interessante, englobando teatro, filosofia e fantasia costurados com riffs, corais e melodias bem estruturadas, tudo muito bem pensado e executado. A mixagem ficou a cargo de Matias Kupiainen (Stratovarius), enquanto a arte da capa foi desenvolvida por Filipe Oliveira, sintetizando o clima do disco: um mergulho em um reino espectral.

A trama do álbum coloca a personagem Judith (interpretada por Daísa Munhoz) como protagonista, após sua passagem pelo purgatório. Ela desperta no Reino dos Fantasmas, onde é recepcionada por Elliot (Airton Araujo), o mordomo espectral. Mas a estadia não é acolhedora: o Rei Adze (Kleber Ramalho) deseja apagar suas memórias terrenas e forçá-la a um casamento, prendendo-a definitivamente naquele mundo. Enquanto isso, em outra frente, o aprendiz Adrian (Victor Emeka – ex-Hibria) encontra Timo (Pedro Campos) inconsciente junto à Árvore Sagrada. Para salvá-lo, Adrian e seu aliado Frith embarcam no lendário Navio de Teseu. O navio é comandado pelo excêntrico Capitão Sparrot (Fábio Caldeira), que adiciona uma dose de teatralidade à jornada.

No caminho, surge ainda a figura de Wiles (Daniel Guirado), o matemático que carrega o Último Teorema de Fermat, transformado aqui em peça-chave para resolver os enigmas espirituais e completar a missão. É esse equilíbrio entre mitologia, história e ciência que torna a trama tão peculiar: um quebra-cabeça onde fantasmas, reis e teoremas dividem o mesmo palco. Com o enredo e seus personagens apresentados, vamos à parte sonora.

Cada faixa funciona como um ato dentro do ato, explorando cada detalhe ao máximo. O álbum alterna entre momentos mais diretos, como em “Dragon Waltz”, onde a pegada mais Power Metal assume a dianteira (e com uma ótima linha de baixo!), e construções longas e épicas, como “The Blackbeard And His Quest for Perfection”, que ultrapassa os dez minutos de duração sem perder o fio da meada. A música encerra com um coral de crianças cantando em português, algo que poderia ser melhor explorado no futuro. Em tempos líquidos, em que muita gente mal consegue ouvir um álbum até o fim (não é meu caso!), o desafio é prender o ouvinte. Nisso, o Soulspell acertou em cheio. Impossível não colocar a bombástica “Castle of Illusions” no repeat, com seus riffs cavalgados e solos inspirados, aliados à linhas de baixo mais uma vez marcantes, executadas por Daniel Guirado, ou melhor, Wiles, cuja matemática também é bem aplicada nas quatro cordas.

Um detalhe importante: obviamente a diversidade de vozes é o grande trunfo aqui, onde cada vocalista representa um personagem, e o ouvinte é arrastado para dentro da trama com diferentes camadas. Além do mais, para os leitores e ouvintes desavisados, “Spirits of Ghosts” é o tipo de álbum que exige fones de ouvido, um pouco de paciência e uma imaginação, digamos, mais aberta.  

O Soulspell mostra – e não é de hoje – que o Brasil também tem sua própria voz nesse cenário das “Metal Opera” – e que pode dialogar em pé de igualdade com qualquer projeto internacional. “Spirits of Ghosts” é, portanto, não só um disco de Metal, mas uma experiência artística completa, que transforma o ouvinte em parte do enredo. Defeitos? Nenhum.

Para situar o leitor, separamos um breve resumo de cada “ato”:

“Act I: A Legacy of Honor” (2008) – ponto de partida da história, ainda sem Judith como protagonista, mas já apresentando a luta espiritual em torno do livre-arbítrio.

“Act II: Labyrinth of Truths” (2010) – surge Judith, que passa a conduzir toda a trama. A história mergulha em dilemas morais e no contraste entre verdade e ilusão.

“Act III: Hollow’s Gathering” (2012) – a jornada se expande com encontros entre fantasia e realidade, questionando a essência da alma e a busca pelo conhecimento.

“Act IV: The Second Big Bang” (2017) – aqui a história envereda um pouco mais além, abordando o destino da humanidade, a origem do universo e a fusão entre ciência e espiritualidade. Judith atravessa o purgatório, preparando a transição para o próximo ato.

“Act V: Spirits of Ghosts” (2025) – Judith chega ao Reino dos Fantasmas, enfrentando o Rei Adze e novos desafios ligados à memória, identidade e redenção.

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