Magistry traz diversidade e misticismo ao Metal Sinfônico; confira entrevista

Recém-chegado ao cenário, o Magistry nasceu de um projeto de estúdio e rapidamente se transformou em uma banda com identidade própria, marcada por uma estética mística e um forte vínculo com o público. Em pouco tempo, construiu um universo artístico que dialoga com ocultismo, alquimia, espiritualidade e representatividade LGBT, refletidos no álbum ““The New Aeon”” e no próximo EP “Venus Mellifera”. Ao longo desta entrevista, o tecladista Thiago Parpineli fala sobre o processo criativo, suas influências diversas que vão do Metal Sinfônico à música antiga, o simbolismo presente na arte e nas letras, além da relação próxima com os fãs e os caminhos que projetam para o futuro.

Heavy Metal Online – O Magistry surgiu recentemente, mas já demonstra uma proposta artística sólida e marcante. Como vocês definiriam a essência da banda e o que desejam provocar no público além do impacto musical?

Thiago Parpineli: A Magistry surgiu do desejo de gravar algumas composições minhas antigas, de muitos anos atrás, por isso a ideia inicial era de que ela fosse apenas um projeto de estúdio, sem nenhuma pretensão de se tornar banda. No decorrer das gravações fomos nos empolgando com o resultado de tudo e por fim resolvemos trazer a banda pra realidade. Pelo teor das letras e de toda a estética sonora, achamos que seria legal levar a Magistry como se fosse uma ordem iniciática ou um coven de bruxas, é um tema que todos nós gostamos muito de explorar, então casou totalmente com a proposta, todos gostamos muito do espetáculo artístico e queremos cada vez mais trazer isso pro palco. Nesse tempo já temos conquistado um público extremamente querido e interessado em nosso trabalho, o ocultismo sempre será um tema central, porém temos muitas temáticas que queremos trazer através do trabalho artístico da Magistry. Nesse novo trabalho “Venus Mellifera” já vamos apresentar algumas coisas novas, grande parte de nossos membros (incluindo eu mesmo) são pessoas LGBT, e acreditamos na importancia de trazer a arte e a sensibilidade que são abundantes nessa comunidade, para o meio do metal, meio que ainda carece de mais representação, nosso mais recente single “Divine” é uma alegoria LGBT.

Heavy Metal Online – O álbum “The New Aeon” se apresenta como um marco conceitual e estético. O título nos dá a entender uma transição de era ou consciência. O que representa, para vocês, esse “novo aeon” e como ele se traduz nas músicas?

Thiago Parpineli:  Bom, o álbum carrega uma mensagem de transformação pessoal muito forte, incrivelmente o tema do novo aeon só veio a tona depois da obra completa, muitos nomes passaram pela mente, porém ao ver o conjunto das canções e letras prontas, nenhum nome soou tão apropriado quanto “The New Aeon”. O tema da auto-transformação e superação pessoal, ou até mesmo de uma nova era pessoal, foram destacados pelas dificuldades com as quais eles costumam se apresentar e se impor nas nossas vidas. Se tornar um ser humano melhor é dolorido, superar traumas é dolorido, chegar nos seus objetivos é dolorido, portanto toda a transformação que o sofrimento gera em nossas vidas, é digna de aplausos e comemoração. Acreditamos que a partir de nos tornarmos seres melhores, contribuímos para a melhora do mundo como um todo.

Heavy Metal Online – Nota-se em “The New Aeon” uma possivel influência do movimento gótico/sinfônico que floresceu nos anos 1990, especialmente naquela fase em que vocais femininos etéreos eram combinados com guturais masculinos. Bandas como Therion, Theatre of Tragedy, Tristania ou até mesmo Sirenia vêm à mente. Quais artistas ou álbuns marcaram vocês nessa trajetória?

Thiago Parpineli: Por mais incrível que isso possa parecer, nós praticamente não conhecemos o trabalho dessas bandas, sabemos da importância e do legado delas, e temos o total respeito e reverência. Por enquanto a Magistry conta com três membros compositores, eu Thiago Parpineli, nosso guitarrista João Borth, e nosso baterista Johan Wodzynski. Cada um de nós vem de influências sonoras distintas uns dos outros. Em minha adolescência eu era apaixonado por Nightwish e Epica, muitas das minhas primeiras composições bebem diretamente dessas duas fontes, Lost Paradise e Alchemy of the Inner World são dois ótimos exemplos, depois fui estudar música na universidade e me aprofundei no estudo da música histórica, do medievo ao barroco, todos esses anos de prática com instrumentos históricos me trouxe uma bagagem sonora que gosto de apresentar na Magistry. O João vem totalmente do blues, a Magistry é o primeiro projeto de metal que ele participa, está sendo extremamente enriquecedor para a banda, as composições dele e as ideias que ele apresenta para as composições dos outros membros, é o que dá o toque especial, é o arremate de personalidade nas canções da Magistry. Já o Johan é muito mais voltado ao metal moderno, então contamos com todo um frescor nas linhas de bateria e também nas composições dele, a primeira vai estreiar em nosso EP Venus Mellifera e se chama Me, The Moon and Venus.

Heavy Metal Online – O disco apresenta uma forte carga simbólica, tanto na sonoridade quanto na arte visual. Os elementos iconográficos, como o dragão, as luas e os pilares, seguem uma lógica mística ou ritualística? Existe um simbolismo oculto que conecta todas essas camadas?

Thiago Parpineli: Esse é um assunto que eu particularmente adoro, sou apaixonado pela arte dos grimórios antigos e mais ainda apaixonado por colagem, então o trabalho visual desse álbum foi apenas juntar essas duas paixões, toda a arte foi trabalhada com colagem de ilustrações de grimorios antigos, temos figuras de várias épocas diferentes, todas representando o tema do álbum e se conectando entre elas. É muito interessante juntar essas imagens de diversas épocas e séculos diferentes, e poder ver como elas combinam juntas nos nossos dias, é algo incrível. Sim, o dragão alquímico foi o símbolo escolhido pra capa, e ele sintetiza toda a temática de transformação que é abordada nas músicas.

Heavy Metal Online – A alquimia, frequentemente mal compreendida, aparece no álbum como metáfora profunda de transformação interior. Como essa visão influenciou o desenvolvimento das letras e da estrutura do disco?

Thiago Parpineli: Nem todas as letras tratam diretamente desse tema, porém, na ordem em que apresentamos elas no álbum, incrivelmente uma complementa a outra, e mesmo que não intencionalmente, acabamos por contar uma historia no decorrer das canções. Acredito que o maior trabalho alquímico desse álbum foi presenciar a transformação de ideias e letras que pareciam desconexas, em praticamente uma coisa só, apenas um bloco temático, uma só ideia e contexto, a magia acontece quando menos se espera, o resultado final dessa obra é a prova disso, conseguimos juntar diferentes propriedades e transformar elas em ouro.

Heavy Metal Online – Em “Alchemy of the Inner World”, temos uma jornada sonora que parece espelhar os processos alquímicos clássicos, como dissolução, purificação e reintegração. A composição dessa faixa seguiu uma estrutura simbólica ou intuitiva?

Thiago Parpineli: Foi totalmente intuitivo, essa foi uma das primeiras canções que compus, muito antes de pensar que um dia montaria a Magistry, porém, existia apenas uma canção instrumental, a letra veio pouco tempo antes de iniciarmos as gravações. Acredito que essa seja a canção onde esse tema da alquimia das emoções é mais explícito, ela foi concebida sem essa intenção, e sim num processo totalmente intuitivo, seu nome foi escolhido bem depois que a letra já estava pronta.

Heavy Metal Online – A presença constante de polaridades, como vocais doces e guturais, leveza e peso, introspecção e explosão, parece dialogar com os princípios herméticos de dualidade. Isso é uma escolha consciente da banda ou fruto do próprio processo criativo?

Thiago Parpineli: Mais uma vez é fruto do processo criativo intuitivo, nós tentamos escolher as passagens de vocais limpos e guturais levando em conta a letra e também o instrumental, mas muitas vezes a própria música acaba pedindo coisas diferentes e em momentos diferentes. A escolha dos vocais praticamente ocorre nos dias das gravações, A Lya e o Leo sempre estudam a música inteira, e na hora sentimos o que fica melhor, o que expressa melhor aquela passagem, é um processo muito gostoso.

Heavy Metal Online – O uso de elementos como harpas e cordas reais adiciona uma dimensão quase litúrgica ao álbum. Qual foi o critério para a escolha desses instrumentos e como foi integrá-los ao som da banda?

Thiago Parpineli: Meu principal instrumento é a harpa, então eu fiz uma grande questão de trazer ela pra Magistry, foi um desafio enorme conseguir mesclar a harpa dentro do metal, mas acho que conseguimos bons resultados. Particularmente eu não gosto de apresentar apenas os instrumentos sinfônico comuns da orquestra moderna, gosto de trazer instrumentos e texturas da orquestra barroca (usamos o cravo e a flauta doce em algumas canções do “New Aeon”), instrumentos étnicos (em “Black Abyss” utilizamos alaúde, saltério e sítara) e também explorei vastamente todo o naipe das madeiras nas orquestrações, sou apaixonado pela sonoridade verde e de floresta que elas trazem, dá pra sentir isso nas orquestracoes de “The White Shores” e “While”. Em nosso novo EP, esses instrumentos todos continuam mostrando suas caras e timbres, e também resolvemos trazer instrumentos pouco explorados no metal sinfônico, como o Sax, o trombone e o trompete.

Heavy Metal Online – Algumas faixas, como “Black Abyss” e “While”, mergulham em estados emocionais extremos, do confronto interno ao vazio existencial. Vocês enxergam o disco como um espelho de experiências pessoais ou como uma narrativa mais ampla?

Thiago Parpineli: Acredito que o álbum espelha as duas coisas, temos letras que são abrangentes e letras que tratam de assuntos bem pontuais e pessoais, histórias que vivemos ou presenciamos. Claro que trazer a tona o real significado dessas letras pode acabar com o encanto e a abertura interpretativa que cada pessoa tem ao escutar, então deixamos a interpretação de tudo ao gosto do nosso público, gostamos de tocar as pessoas através da nossa arte.

Heavy Metal Online – A ideia da música como ferramenta de transmutação é poderosa. Para vocês, a criação artística também serve como prática espiritual ou autotransformadora?

Thiago Parpineli: Vou falar por mim, pois dentro da banda temos visões diferenciadas sobre isso. Para mim a criação artística tem uma forte conexão com a espiritualidade de uma forma geral, raramente eu sento pra compor, ou paro o que estou fazendo pra compor, as minhas composições surgem como um tema em minha mente, aos poucos vou desenvolvendo ele e quando acho o resultado bom, finalmente paro pra escrever na partitura e desenvolver o arranjo, depois vem a letra, e por último as texturas sinfônicas, então eu acredito em canalização artística e inspiração, de onde vem isso eu nao sei dizer, mas comigo sempre ocorreu dessa forma, e de certa forma me ajuda a superar questões e desafios, portanto cada música escrita é um novo aprendizado. Com o João e o Johan funciona de certa forma assim também, algumas vezes acontecem eventos que despertam a inspiração neles, desde uma história até mesmo uma cena visualizada, mas esse processo é muito especial e diferente para cada artista e cada compositor.

Ouça o álbum via YouTube:

Heavy Metal Online – O álbum foi muito bem recebido por quem busca mais do que fórmulas prontas no Metal. Achei o resultado final riquissimo, como há tempos não via e ouvia. Como tem sido para vocês observar esse impacto e diálogo com um público que valoriza tanto a forma quanto o conteúdo?

Thiago Parpineli: Muito obrigado! Tem sido incrível e totalmente inesperado, é uma felicidade que nao cabe nos nossos corações. Temos um contato muito próximo com o nosso público, e isso faz toda a diferença, afinal, fazemos arte e música em primeiro lugar para eles. As vezes ficamos assustados com a proporção de empolgação que uma banda pequena e independente como a nossa pode causar nas pessoas, as vezes parece até descolado das nossas realidades. Nesses dois anos de atividade, já tivemos camarim invadido depois do show por fã chorando, já tivemos foto da banda como tela de fundo de computador, temos fãs que tem destaques da Magistry em seus perfis de instragram, sem falar no sucesso que nosso merchan faz em nossos eventos, temos um mascote de pelúcia, o Baphomagistry, são feitos a mão por nós mesmos, e é incrível que quando levamos pros nossos shows, nunca retornamos com nenhum pra casa, vão todos embora. Então somos imensamente gratos ao nosso público que nos acompanha, que cede seu tempo precioso pra ouvir nossa arte, somos uma banda em início de carreira, mas podemos dizer que somos agraciados por ter um público maravilhoso e presente em tudo o que fazemos.

Heavy Metal Online – Pensando no futuro, a banda pretende aprofundar ainda mais essa proposta conceitual? A alquimia e o esoterismo são pilares contínuos da banda ou podem dar lugar a outros temas em novos trabalhos?

Thiago Parpineli: Não sabemos, não temos ainda uma ideia final sobre isso, talvez continuemos, talvez não, ainda é incerto, só sabemos que é um tema que adoramos. Em nosso novo trabalho, vamos abordar o amor, o amor como símbolo místico, por isso o nome “Venus Mellifera”.

Heavy Metal Online – Por fim, o ultimo lançamento da banda é um cover para “Sabbath Bloody Sabbath”, em homenagem a Ozzy Osbourne, e no mês de setembro será lançado o EP “Venus Mellifera”. O que podemos esperar deste novo trabalho?

Thiago Parpineli: O Ozzy e o Black Sabbath são fontes inesgotáveis de inspiração para a Magistry, gravar essa versão foi uma forma de expressarmos nosso amor e admiração por eles. Sobre o ”Venus Mellifera”, é um trabalho conceitual, por isso será lançado no formato de EP e não de álbum. É justamente por causa das diversas influências sonoras que desaguam na banda, que resolvemos realizar esse trabalho, são canções diferentonas, baladinhas que teriam que ser salpicadas em vários álbuns. Pensando nisso, resolvemos juntar tudo sob a energia do amor, homenageando Venus e Afrodite, como fontes de inspiração inesgotável do tema. Em termos de sonoridade, nosso público pode esperar por um metal sinfônico mais voltado pro doom, pro gothic, com pitadas de post punk e industrial. Sim, é tudo isso junto numa coisa só, estamos ansiosos pela reação de todos aos mistérios escondidos nessas faixas. Teremos uma faixa bônus especial, uma versão da faixa título executada em instrumentos gregos antigos.

Versão para “Sabbath Bloody Sabbath”:

Heavy Metal Online – Agradeço a banda pelo tempo cedido e antes de pedir para a banda deixar um último recado, peço que escolham uma música que defina o Magistry e que sirva de cartão de visitas para o grupo. Obrigado!

Thiago Parpineli: Eu que agradeço em nome de todos os artistas da Magistry, ficamos tocados com a profundidade das perguntas elaboradas, muito obrigado pela oportunidade! Bom, queremos falar para as pessoas e principalmente pro nosso público, para que acreditem nos seus potenciais, tornem-se divinos, ultrapassem suas barreiras, as auto impostas e também as impostas pelo mundo. E artistas: tragam as suas inspirações para o mundo, precisamos de mais sentimento, mais beleza, mais amor, mais arte nessa vida. É impossível definir a Magistry em apenas uma música, portanto vamos deixar três, uma tríade que representa bem os estilos pelos quais gostamos de caminhar. Elas são: “Swing to the Circles of Time”, “The White Shores” e “Lost Paradise”. Com essas três canções, as pessoas podem ter um panorama interessante do que é a Magistry. Obrigado mais uma vez!

Ouça via Spotify: