Texto: Martín Russo
Crédito das fotos: Ricardo Matsukawa / Mercury Concerts
20 de abril, domingo de Páscoa, num feriado que já tinha ocorrido o Monster of Rock no Allianz Arena e que ainda se prolongaria mais um dia devido à homenagem a Tiradentes. Excelente data para estar em casa, relaxar e comer chocolate, e melhor ainda para curtir mais uma noite de metal com duas bandas que honram o gênero: a potente Queensrÿche por um lado, e a icônica e sempre gratamente surpreendente Judas Priest.
Já na chegada ao Vibra São Paulo a gente começa a sentir o clima de ótimo rock’n’roll e de animação da galera graças à apresentação acústica do Torture Squad, que ia engatando no setor externo da casa de shows, um atrás do outro, clássicos de Metallica, AC/DC, Black Sabbath, Slayer, Twisted Sister e até alguma pérola do Quiet Riot.

Ao entrar na pista, podia se perceber de cara aquele característico clima prévio a todo grande show: rodinhas de amigos conversando e se mexendo empolgados, outros acompanhando as músicas que inundavam o espaço e aqueles que tentavam chegar perto do palco passando entre a galera que começava a encher a casa.
Às 19:55 fica todo escuro e começa a soar “The Mob Rules” anunciando a entrada do Queensrÿche. A banda surge arrepiando com “Queen Of The Reich” e Todd La Torre marcando presença com sua característica potência vocal, movimentando-se pelo palco e mostrando que tem um claro domínio do que está fazendo ali. Continuam com “Operation: Mindcrime”, a galera fica bem empolgada e o frontman com uma interpretação e uma força que não deixam dúvidas sobre o porquê de ele estar ocupando o lugar deixado por Geoff Tate.
“Walk In The Shadows”, “Breaking The Silence” e “I Don’t Believe In Love” não apenas reforçam o impecável desempenho do La Torre, como também denotam que a banda toda é muito coesa: a base rítmica de Casey Grillo e Eddie Jackson sem fissuras para que as guitarras comandadas por Michael Wilton e Mike Stone alternem solos e riffs.

Em uma pausa, La Torre conversa com o público, lembra que faz doze anos que a banda tocou pela última vez no Brasil, ou seja, esta é a primeira visita dele ao país, e perguntou para a galera quem estava vendo Queensrÿche pela primeira vez. Perante a resposta massiva ele simpaticamente agradeceu a presença e a seguir começam a berrar as sirenes que anunciam “Warning”, uma música que ao vivo soa excelente, tanto pelo ritmo intenso como pelos tons agudos do Todd. O público empolgado canta o tempo todo.
“The Lady Wore Black” é a seguinte como para baixar um pouco a adrenalina e criar um clima mais intimista e calmo, onde novamente o desempenho vocal e a presença de palco do Todd La Torre não passam nem um pouco desapercebidos. O show continua com “The Needle Lies”, “Take Hold Of The Flame” e o clássico “Empire”, na qual a banda toda, que soa extremamente entrosada, junto com a galera que participa empolgada, criam um dos momentos mais emotivos do show.
A parte final é com “Screaming In Digital”, na qual além do clima mais denso e com bastante groove, La Torre parte para momentos de tons mais graves, dando a esta música alguns temperos de metal industrial. O fechamento ficou por conta do clássico “Eyes Of A Stranger”, concluindo um setlist muito bem escolhido, compacto, com variações de músicas, que vão de momentos intensos e fortes a outros mais melódicos e emotivos.
Queensrÿche apresentou um show coeso, sólido, sóbrio, com um setlist muito bem selecionado e apresentado, e com um Todd La Torre que interpretou cada uma das doze músicas da era Tate de maneira primorosa e impecável.
Se a ideia era que a banda de Seattle deixasse tudo pronto para a apresentação do Judas, eles conseguiram isso com sobras. Excelente show.
Setlist
Intro: The Mob Rules [Black Sabbath]
01) Queen Of The Reich
02) Operation: Mindcrime
03) Walk In The Shadows
04) Breaking The Silence
05) I Don’t Believe In Love
06) Warning
07) The Lady Wore Black
08) The Needle Lies
09) Take Hold Of The Flame
10) Empire
11) Screaming In Digital
12) Eyes Of A Stranger

É muito difícil, impossível talvez, calcular o tanto de tinta ou megabytes utilizados para fazer resenhas sobre os shows de uma banda que já tem seus 55 anos de existência, mas aqui vamos nós para descrever como foi a segunda apresentação do Judas Priest em São Paulo em 2025, dessa vez num espaço fechado, já que no dia anterior tinham tocado no Monsters. E vai com spoiler: foi espetacular!
O palco ia sendo preparado para a performance do Priest e no meio dele surge um banner vertical, com a capa do último disco, “Invincible Shield” e o texto: “United we stand, Divided we fall, Defenders of metal, For one and for all, Keeping the faith, Honour and pride, Strength in this bloodline, God on our side, Eternal immortal, Metal burns bright, Lifting our horns, Ready to fight, Stand and bare witness, With all of our might, As we raise, The invincible shield”. É a letra de “Clarionissa”, uma das duas intros do show, que expressa de modo transparente o que é essa simbiose entre Judas e o Metal, algo que nessa altura já são quase sinônimos. Um verdadeiro hino.
As luzes se apagam, o público solta o primeiro de tantos gritos que virão até passadas as 22:30, começa a soar “War Pigs” e a galera acompanha com a característica batida de palmas dessa canção. Continua agora com a citada “Clarionissa”, só que apenas em versão instrumental e a partir dali foi a mais pura demonstração de como se faz um show de metal ao vivo.
“Panic Attack” abre a apresentação, e a escolha é perfeita já que sua velocidade e força fazem a galera começar a pular e a cantar junto, sobretudo o refrão. Sem o menor espaço para respirar, já soltam o primeiro clássico, “You’ve Got Another Thing Comin’” e o público delira. O bombardeio continua incessante com “Rapid Fire” e o classicaço “Breaking The Law”: a casa toda indo completamente ao delírio, cantando, mexendo os braços e chacoalhando a cabeça, e assim que soa a última nota, Richie Faulkner já engata os primeiros acordes da extraordinária “Riding On The Wind”, uma música que exige de Rob Halford aqueles tons agudos e duradouros.
Seria absurdo pensar que ele poderia cantá-la como em 1982, mas é absurdo também confirmar que em 2025 ele a continua cantando com a mesma qualidade. E entrando na parte do meio da apresentação prosseguem com “Love Bites”, “Devil’s Child”, “Saints In Hell”, “Crown Of Horns” e “Sinner”, músicas talvez não tão clássicas, mas que ao vivo soam fantasticamente bem e que dão ao setlist um ótimo equilíbrio.
“Turbo Lover” é a canção seguinte, com esse ritmo inicial cadenciado que vai progressivamente aumentando, somando o peso das guitarras, e tornando cada momento do refrão irresistível para que a galera acompanhe em uníssono. Impecável execução. Então Halford se senta para conversar com a galera, lembra do último show com o Pantera, agradece pelo carinho do público e começa a citar, por ordem quase cronológica, cada um dos discos lançados pela banda (exceto os da fase Tim “Ripper” Owens) até chegar ao último, “Invincible Shield”, e a banda começar a tocar a música homônima.
Entramos na parte final do show com “Victim Of Changes”, uma dessas músicas que imagino ninguém se cansar de ouvir, seja pela quantidade de excelentes variações que apresenta, pelos diferentes climas criados pela voz de Rob Halford e também pelo final apoteótico, acrescentando inclusive um instante de extrema emoção quando aparecem no telão diversas imagens de Glenn Tipton, guitarrista da banda que se afastou devido ao Parkinson, e o próprio vocalista olhando para ele e saudando e reverenciando-o. Momento marcante do show. A próxima é uma que nunca falta, o cover do Fleetwod Mac: “The Green Manalishi (With The Two Prong Crown)”.
A banda sai do palco, uma única luz aponta para o baterista Scott Travis, que avisa para a galera que tem tempo para apenas mais uma música e pergunta: “Qual vocês gostariam de escutar?”. “Painkiller!” E assim ele começa a inconfundível introdução daquela que talvez seja a música mais emblemática do gênero. Logicamente todo mundo curte demais cada um dos riffs, dos solos e dos agudos desta canção, mas também fica no ar alguma dúvida sobre Halford ainda poder cantá-la. A resposta chega no final, quando Rob fica olhando para a galera, de cabeça erguida, sem precisar dizer que ainda consegue cantá-la!
Antes de entrarmos no encore, é necessário falar sobre o desempenho de cada um dos músicos da banda. Andy Sneap assumiu a guitarra deixada precisamente por Tipton e faz um trabalho silencioso, mas impecável, deixando a maioria dos solos para Ritchie Faulkner, que definitivamente trouxe novos ares para a banda e não apenas aporta, e muito, desde o musical, como também seu desempenho no palco é notório. Ian Hill, o único membro original da banda, é aquele curioso caso de quem é muito notado precisamente quando a proposta é a contrária. E a referência não é apenas ao cantinho que ele sempre ocupa no palco, mas porque o som do baixo é sempre perceptível, sempre está ali, sempre no tom e na velocidade certos, criando uma base perfeita com Scott Travis para que as músicas evoluam.
E falando em Travis, será que tem algum batera mais elegante para tocar do que ele? Porque os movimentos cadenciados, as batidas feitas com o toque certo, sem nunca denotar muito esforço não parecem condizer com a quantidade de sons que voam do instrumento dele. E deixamos Rob Halford para o final: ele é simplesmente extraordinário! Além do domínio absoluto de palco, suas interpretações não deixam o menor espaço para a crítica ou para reclamação. A potência e a duração dos agudos é a mesma? Não, é claro. Mas a qualidade sim, e é isso que mais surpreende, porque mesmo já sabendo o que vamos encontrar, ele nos surpreende com seus joviais 73 anos de idade.

A despedida começa com “The Hellion/Electric Eye”, que curiosamente foi colocada mais para o final do setlist. Depois surge o inconfundível som de uma Harley-Davidson sobre a qual aparece Rob, completamente vestido de couro preto, com um chicote na boca para tocarem “Hell Bent For Leather”, com direito ao Faulkner levar umas chicotadinhas de Rob. O final não poderia ser com outra senão “Living After Midnight” e o público todo absolutamente entregue e cantando para um fechamento memorável.
Quanto mais há para se dizer sobre um show ao vivo do Judas Priest? Sinceramente, não sabemos; porém, do que, sim, temos absoluta certeza, é que em casos assim é muito gostoso poder dizer que nos deparamos com mais do mesmo. Tomara continue assim por muitos e muitos anos. E precisamente numa data tão especial para o Catolicismo: vida longa ao Priest!
Setlist
Intro 1: War Pigs [Black Sabbath]
Intro 2: Clarionissa [Tour Intro] [Instrumental]
01) Panic Attack
02) You’ve Got Another Thing Comin’
03) Rapid Fire
04) Breaking The Law
05) Riding On The Wind
06) Love Bites
07) Devil’s Child
08) Saints In Hell
09) Crown Of Horns
10) Sinner
11) Turbo Lover
12) Invincible Shield
13) Victim Of Changes
14) The Green Manalishi (With The Two Prong Crown) [Fleetwood Mac]
15) Painkiller
Encore
Intro: The Hellion
16) Electric Eye
17) Hell Bent For Leather
18) Living After Midnight
Outro: We Are The Champions [Queen]

















